Fora da Salvação, sou cristão por uma razão fundamental: a pureza de intenções. O cristianismo sempre foi, por ordem e mandamento fundamental de Jesus Cristo, puro, “Santo”, nos termos do Apóstolo Pedro (I Pe 1: 15 e 16) – “Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver; Porquanto está escrito: Sede santos, porque eu sou santo.” Ou seja, Pedro nos chama a ser o “santo”, ou seja, separado por Deus, para coisas boas. Essa ordem, esse imperativo, mudou o mundo de então. Em lugar do cinismo, a clareza; em lugar do ódio, o amor; em lugar de fazer coisas por obrigação, fazê-las por amor (a Deus e ao outro).
O discurso de Jesus, de “dar a outra face”, e de “caminhar uma segunda milha” não foi uma fala de acomodação ou de conformidade. Sabedor da dificuldade humada de responder com mansidão, Jesus instou toda a sociedade a inverter o jogo diário – em vez de reagir como seria esperado, “olho por olho”, O Deus feito homem nos manda fazer exatamente o contrário. Orar pelos que nos perseguem; abençoar os que nos amaldiçoam; ajudar quem nos quer mal, e por aí vai. Um contrassenso total.
O resultado, sempre que aplicado, é o mesmo: Pax Vobiscum – Paz Profunda.
Sociedades dão mais certo ou mais errado dependendo do nível de cinismo nela existente, e o interesse manifesto de fazer o bem ao outro, de falar a verdade e de compreender que é “dando que se recebe”, nas palavras do magnífico Francisco de Assis.
Nossa sociedade não é assim, assim como não o são sociedades milenares, como a chinesa e a indiana. Vivemos maravilhados com a antiguidade e “sabedoria” de sociedades que, no fundo, cultivam e reverenciam atitudes menores, interesseiras e auto-justificadas. Vivemos desprezando sociedades que foram fundadas sobre pilares da tentativa sincera de fazer direito, de ser corretos e visar o bem comum, pela preservação do bem privado – cada um visando dar integridade e apoio ao outro, ao que é do outro, respeitando a santidade do espaço do outro, cuidando para que o outro seja beneficiado.
O fundamento da palavra de Jesus é frequentemente interpretado como fraqueza – os romanos desprezavam o cristianismo, e somente o adotaram quando o modificaram de tal forma que se tornou irreconhecível, “pragmático” (no pior sentido possível), e cartorial; quando a sociedade passou de “ser igreja” a “ir à igreja”, um cartório de “benefícios” vendidos em troca de subserviência, obediência sem discussão ou mesmo dinheiro. Esse fundamento permanece e permanecerá pelos séculos – e aqui cabe uma observação: não se trata de interpretar o cristianismo como fé (que é o modo correto de fazê-lo). Mesmo um ateu convicto pode viver sob a égide da filosofia cristã sem macular qualquer das suas (des)crenças. Uma amiga um dia disse, com muita propriedade: “mesmo que eu chegasse ao fim da minha vida e descobrisse que tudo tinha sido uma grande mentira, ainda assim teria valido a pena viver como cristã”.
Sábias e poderosas palavras, embora eu tenha aquela certeza do “crente” de que o cristianismo é tudo, menos mentira. A filosofia fundada na sabedoria não-humana do Deus feito homem é de tal ordem que é capaz de mudar o mundo para (muito) melhor – na verdade, são leis, tais e quais a Lei da Gravidade ou a 1a. Lei de Newton.
O Brasil é uma dessas sociedades que já nasceu cínica, e tem no cinismo sua epistemologia – vê o mundo como se alguém sempre estivesse querendo tirar vantagem dela, mentir para ela, e como consequência, reage fazendo o mesmo. Não dá ao outro a chance de ser bom, honesto ou amigo. Em política, sempre vivemos do “quanto pior melhor” (quando não estou no poder), e do “a culpa é dos outros” (quando estou). Somos impedidos de ver alguém fazendo algo e simplesmente nos maravilhar e agradecer. Temos que enxergar o lado pior, o copo meio vazio, e vermos sempre um problema novo para cada solução apresentada.
Entra governo, sai governo, ninguém é capaz de olhar o outro, colocar o interesse coletivo acima do seu próprio. Retêm interesses manifestamente mesquinhos e paroquiais. A Lava Jato é talvez a última manifestação, ou último suspiro (Deus nos livre) dessa cosmovisão cristã – a luta por fazer o bem. Somos incapazes de enxergar o bem, somos incapazes de julgar fatos com retidão e honestidade intelectual, quando o que nos desinteressa não nos privilegia. O “doa a quem doer” só vale, no país, quando a dor é no adversário. Se doer em mim, minha opinião muda, sem rostos corados, sem vergonha de se desdizer.
A solução está em todos e em cada um de nós. De novo, retornando às palavras de Jesus, e que devem ser olhadas tanto do ponto de vista da fé como da filosofia: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mc 9: 38-42). Voltar a ser criança, enxergar o mundo com a pureza da criança, ser perder a capacidade de arrazoar, torna a nós impossível “entrar no Reino dos Céus” (e aqui, entenda o cristão tanto o Reino aqui, como o de lá, ou o ateu, como “um mundo melhor”).
Que nada desalente o nosso Povo de querer ser melhor.