Somos incapazes de grandeza – O Brasil vive de narrativas

Em um post anterior eu discorri sobre a incapacidade do Brasil em ter uma falta crônica de Pureza de Intenções (vide Post). Neste, diante das reviravoltas da política, tento entender (na verdade escrevo muito mais para mim do que para qualquer audiência – um dia vou olhar pra trás para tentar entender como é que os acontecimentos deste período tenebroso de nossa história me afetou).

A noção de democracia e ditadura

Alguns têm uma noção meio flácida, frouxa, do que seja democracia e do que seja ditadura. Todo mundo está cansado dos memes que fazem troça da esquerda e seu amor por Cuba, Venezuela e afins, e sua ojeriza ao Chile, Brasil e sua mania de culpar os EUA por tudo.

Outros tem uma noção de que é democracia tomar decisões em nome de todo um povo, e promover “golpes soft”, mudando a constituição pouco a pouco, a fim de permitir infinitas reeleições, ou poder nomear e destituir membros da Suprema Corte, etc.

Os problemas cognitivos com os conceitos de democracia de ditadura existem na esquerda de na direita. Quando o PT vem a público dizer, como disse Lula, que a Venezuela é um mais de grande democracia, está obviamente com uma noção distorcida do que ela seja. Em contrapartida, quando o Filho Zero-sei-lá-o-quê diz que um AI-5 seria algo natural em um processo de “despetização” do país, ou coisa que o valha, também tem uma visão distorcida.

Golpe é golpe, e tem que ser chamado pelo nome. 1964 não foi golpe (minha opinião). 1967 foi claramente um golpe. O pedido de renúncia e posterior efetiva renúncia de Evo Morales claramente não se enquadra na categoria de golpe, nem soft nem hard. Foi simplesmente a saída do poder de um governante ilegítimo, que se perpetuou lá mudando a constituição por via da intimidação do congresso e compra da corte suprema, por conta de uma situação insustentável, gerada por uma massa de gente nas ruas e a mudança de lado de vários agentes do governo, já cansados de toda a baderna.

O Chile

O Chile é diferente? Afinal tem o melhor padrão de vida da América Latina, é democrático, apesar do passado de Pinochet, e tem tido alternância no poder entre a esquerdista Bachellet e o direitista Piñera, por exemplo. O Chile tem um padrão educacional alto, e pareceria imune a levantes de qualquer natureza, que poderiam colocar a ordem e a economia em problemas. Aparentemente existe algo no país que está levando a coisa pro brejo. O que seria? Que narrativa sustenta esse status quo? Qualquer um que se meta a escrever algo com seriedade e honestidade intelectual tem que se fazer esta pergunta. Afinal, “it`s the economy, stupid” tem sido um mantra da direita, desde as estrepolias de Clinton e da estagiária.

A coisa toda começou parecida ao Brasil de 2013 e seus “20 centavos” nas passagens de ônibus. Lá foram 30 pesos, ou aproximadamente 16 centavos aos câmbios atuais. Nada muito diferente, exceto que a renda per capita lá é o dobro da nossa. O ponto fundamental lá, como quase aconteceu aqui, é o quebra-quebra provocado. Lá como aqui black blocs “se infiltraram” (lá parece que o movimento tem muito mais vândalos) e quebraram vidraças, tocaram fogo em estações de metrô, infernizaram a vida do cidadão comum. E o que mexeu tanto com o Chile?

A BBC, em uma longa reportagem ( https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-50115798 ) dá algumas pistas, sem muitas evidências senão a palavra de alguns ativistas, contra e a favor, mas identifica alguns aspectos que merecem destaque:

  • A eventual desigualdade entre pobres e ricos existente no Chile;
  • A falta de sensibilidade do governo de Piñera sobre aspectos sociais, chamando os manifestantes de “preguiçosos” e não conseguindo compreender o assunto (“Incomprensibles”) ou irrazoáveis;
  • A reação da polícia (violenta, segundo informam) frente aos protestos;
  • A expectativa de melhora da economia mais alta do que ocorreu (o primeiro governo de Piñera foi muito bem sucedido neste aspecto, já o segundo nem tanto);
  • O papel preponderante dos estudantes na geração de toda a convulsão social.

Em princípio apenas dois aspectos podem realmente ser levados a sério como fundamentos para os protestos, em meu entender – a expectativa de uma melhora maior do que a ocorrida, de um lado, e principalmente a postura belicosa dos estudantes. Não é só no Brasil que as universidades são uma espécie de cadinho de pensamentos de esquerda, sempre prontos a ouvir mestres e líderes e sair às ruas. Possuem o tempo e a energia para ir a público berrar suas reivindicações.

Michelle Bachelet, que não é boba nem nada, e grupos de esquerda, inconformados (lá como aqui) de terem sido baixados do poder, tratam de capitalizar sobre o fato. Não é nada diferente do que tentará a esquerda brasileira, cedo ou tarde. Temo que veremos uma corrida presidencial em 2022 cercada de “protestos” e quebra-quebra. Deus não permita!

Ah, e o Brasil? Vivemos de narrativas como as da Bolívia, na qual Evo foi “deposto”, e do Chile, com suas violentas manifestações (“pacíficas”). Aqui estamos às voltas com narrativas sobre a “inocência” de Lula, Dirceu e Cia; vivemos sob a tentativa de reescrever a história. Nada disso mudará a realidade, mas a realidade, bem, esta pouco importa. Historiadores, os que escreverão sobre isso daqui há alguns anos, serão quase todos parciais de qualquer jeito, e a objetividade, o rigor científico, este ficará de fora da análise, e teremos mais alguns anos de metanarrativas a descontruir, como hoje temos que explicar aos estudantes que a URSS foi um experimento falido que matou 68 milhões de pessoas, que a China matou outras 100 milhões, de fome; temos que explicar o que foi o Holomodor, o que foram os campos da morte no Cambodja… por aí vai…

Este artigo escrevi para mim mesmo, e compartilho com quem quiser ler e gostar de “textão” (hoje, qualquer coisa que passa de 5 linhas é textão…). O meu tradicional pedido de perdão pelas falhas de estilho e escrita…

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