A perda do respeito

Eu sou ruim da cabeça e doente do pé, dizem… detesto carnaval. Sempre detestei. Acho que um povo que precisa de uma catarse coletiva desenfreada, sem qualquer sentido, na qual um marmanjo se traveste de mulher, que as pessoas se esmagam umas às outras sob um calor infernal, pagando R$ 10, R$ 15 por uma cerveja quente, ouvindo um barulho de péssima qualidade (com honrosas exceções), me parece coisa de idiota. Mas ok, não critico quem gosta, do ponto de vista pessoal; goste e vá em frente. Apenas acho que é válida a posição contrária, como a minha, que não gosto.

O que aconteceu na Marquês de Sapucaí reflete a perda geral de respeito, geral, por tudo, todos, qualquer coisa. Uma iconoclastia que excede os ícones e desce à figura do respeito humano puro e simples. O que acontece, acho, é que o carnaval se tornou um bastão contra o mínimo de bom senso e respeito que resta na sociedade. Todo carnavalesco vive sonhando com os “antigos carnavais” (Onde anda você / antigo carnaval… como diria o samba enredo). No entanto, todo mundo se sente cada vez mais tragado pela espiral da falta de bom senso reinante, expressa de forma mais visível no carnaval.

Alguns argumentaram que se trata de reação à falta de verbas para a festa; outros, que os bicheiros e traficantes que (de fato) dominam as agremiações do samba reagiram ao endurecimento da polícia contra suas malandragens. Outros ainda, que é uma reação ao “Bozonaro”, e suas políticas, em tese ruins. Pode ser um pouco de tudo, e pode até não ser nada disso, mas tudo o que citei acima, somado à flagrante má vontade da imprensa, de um modo geral, contra os governos do RJ, estado e município, e do governo federal, cria um caldo bacana pra se colocar Jesus como sendo maltratado por policiais, numa clara alusão ao tal endurecimento com o crime. Ora, a despeito da crença popular, Jesus não teve problemas com a Lei, romana ou não. Ele mesmo disse que “ele a si mesmo se entregou”; ninguém o forçou a nada. Mesmo Pilatos tentou, em vão, livra-lo. Do outro lado, comparar os “policiais” da época aos atuais é no mínimo má vontade com os de hoje. Afinal, estamos neste estado de coisas por cumprir o império da Lei, ou por quebra do mesmo? Temos ou não temos uma constituição que (sobre) protege o cidadão comum? A Lei, em sendo cumprida, traria a paz social, ou é a burla ao seu cumprimento que traz o péssimo estado de coisas?

De volta ao título – Perda de Respeito – entendo que é disso que se trata. Não só aqui, mas aparentemente em todo lado, existe uma perda total de respeito:

  • Perda de Respeito pela Experiência – De um lado idolatra-se o “envelhecer bem”, a “melhor idade”, mas que o velho não se atreva a dar opiniões que vão contra a corrente vigente de ideias. De outro lado, uma pirralha (isso mesmo, é o termo no vernáculo para expressar o que a mocinha sueca é) se arvora em seus “how dare you” e esbraveja como se já soubesse no mínimo pagar suas contas e trabalhar 8, 9 ou 10h por dia, durante tempo suficiente para entender o que é rotina;
  • Perda de Respeito pela Formação Acadêmica – Desde a bárbara glamourização da burrice promovida por Lula, até a criação do idioma “Dilmês”, passando pela perda de contato dos agentes de controle financeiro governamentais com a matemática básica que nos levou a um buraco no orçamento, estamos vivendo tempos em que é bonito ser apedêuta (aquele que é incapaz de aprender). A música bacana é aquela de refrão fácil de entender, bobinha, mal feita; o sujeito se torna “compositor” sem saber se expressar, em nenhum idioma, e sem saber colocar as ideias uma após a outra, em um conjunto que faça um mínimo de sentido. O fato é que as “otoridades” dos últimos tempos fizeram o maior desserviço do mundo às novas gerações, e deixaram a impressão de que para vencer na vida você não precisa estudar, trabalhar, ou se aplicar em nada. É um “direito” seu, que se você não conseguir por seu talento imenso, será culpa do estado, e este terá que te dar uma vida plena, a despeito de você não querer nada com coisa nenhuma;
  • Perda de Respeito pelo Sagrado – Aqui, uma ressalva, a despeito de ser cristão evangélico, coloco o respeito pelo sagrado aqui em Latu Sensu. Desrespeito inclusive pelo direito de alguém ser ateu, se quiser. Afinal, o sagrado de alguém pode ser justamente a sua ausência (contra o que penso, obviamente, mas direito é direito). A ideia de que nada mais é sagrado está em perfeita sintonia com a visão maior de parte importante dos formados de opinião: se nada é sagrado para alguém, tudo é permitido, e portanto, pode-se induzir o povo a fazer qualquer coisa.
  • Perda de Respeito pela Vida Humana – Uma bactéria, como já foi dito, é vida, em Marte; mas um bebê humano perfeito, de 9 meses, no útero materno, não é. O contrasenso do desamor à vida vai longe: defende-se os atacantes e reprime-se os atacados. Uma vida humana tem o mesmo valor do que outra, em que pese o fato de ser esta vida que esteja pronta a tirar outra. A minoria vale menos que a maioria; um punhado de cidadãos da França vale mais do que milhões de Congoleses, e certamente a vida de meia dúzia de muçulmanos vale mais do que a vida de milhares de cristãos. Não sei explicar, mas a vida humana, qualquer uma, seja da minoria, da maioria, do rico, do pobre, está sempre sendo menosprezada por alguém;
  • Perda de Respeito pela Ciência – a exatidão, o rigor de pensamento, a prova científica tem cada vez menos valor. XY e XX agora podem ser XY-alfa, até XX-Omega, etc, num sem fim de “gêneros” sem qualquer fundamento biológico. A equação vale menos do que “meu sentimento” sobre os resultados que ela provê. Como diria Chesterton, “fatos são coisas teimosas”, mas estamos ficando craques em driblar fatos com “sensações”, “sentimentos” e “afinidades”;
  • Perda de Respeito pela Nação e pelo Coletivo – qualquer nação – governantes e legisladores, principalmente os últimos, decidem com base em qualquer fator que lhes traga vantagens, reais ou percebidas, independentemente de ser bom ou ruim para a coletividade. A pátria não simboliza mais nada e somos frequentemente chamados a zombar da nossa bandeira, dos nossos símbolos e de nossa soberania. Somos levados a acreditar que um “poder externo”, supranacional, “maravilhoso” virá transformar nossa vida dentro das fronteiras da nação – qualquer nação. Estamos no limiar da perda de vergonha nacional. A vida se torna cada dia pior, visto que o que é melhor para mim tem que ser melhor para todos, seja isso verdade ou mentira.

Dá pra ir longe lembrando as perdas de respeito. Quando o homem perde o senso de transcendência, perde o senso de consequência. Afinal, se nada que eu fizer faço para transcender, para ser melhor, para fazer a vida do próximo mais fácil, nada, então, merece ter as consequências medidas. Quando eu coloco o Deus ou deus do outro na sarjeta, quando eu trato a fé do outro, a “verdade” do outro como lixo, quando eu ataco o próximo porque ele não pensa como eu, estou me suicidando pouco a pouco. A alma sabe disso, e engole o auto-veneno quietinha, sem reclamar, até uma morte trágica, solitária e ignóbil.

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