Esses dias de COVID-19 servem para muitas coisas. Afinal, estar em casa, trabalhando na frente do computador 10, 12 horas seguidas, próximo da família, longe dos colegas de trabalho, me deu tempo de notar umas coisas que me passariam despercebidas.
Fomos ensinados ao longo de toda a vida a olhar as pessoas nos olhos. Não “fitar” longamente, pois isso pode deixar o outro desconfortável, mas mover os olhos entre testa e boca, num movimento contínuo de familiaridade; sorrir ou menear a cabeça, tudo isso deixa o outro mais à vontade e transmite uma linguagem corporal de atenção e convalidação do outro.
Pois bem, hoje, na era dos dois, três monitores, olhar nos olhos, esses olhos virtuais, meio espectrais que nos enxergam do outro lado de uma linha de dados de alta velocidade, ou nem tanto, se tornou um exercício mais para o pescoço do que para os olhos. Estou lutando para aprender a manter um mínimo de etiqueta nessas reuniões virtuais que tenho tido às pencas.
Olho o outro nos olhos, ele vê meu pescoço; ele olha meus olhos, eu vejo a traseira do seu computador, cheia de fios, clipes, post-its e até um esquecido cotonete usado. Não está sendo fácil entender o outro pela linguagem “não falada” do dia a dia. Ou olho os olhos, ou olho a orelha. Falar nisso, tem gente com orelha feia, sabia? A minha por exemplo, pude ver que não é grande coisa. Tem até uns pelos nela que preciso arrancar. Ainda bem que tenho tempo…
Há um caráter nisso tudo que vai acabar por mudar nossa forma de olhar o outro. Sim? Não? Eu temo voltar para o escritório e começar a olhar os brincos, as orelhas, a gola, o alto da cabeça de pessoas. E será interessante perceber que o outro não vai ligar muito. Afinal, depois de tanto tempo olhando erraticamente, é possível que ele esteja acostumado a fazer o mesmo.
No meu caso, em particular, acho que vai acontecer algo muito diferente: vou olhar fixamente para a pessoa… já que antes eu é que estava sempre de lado, ouvindo a pessoa falar, retendo metade, enquanto olho o “Zap”, enquanto vejo um e-mail. E o outro lá… olhando minha orelha…
No fundo pode ser um aspecto bom desse confinamento!