Hoje sei que a vida é a composição de breves momentos, circunstâncias tão singelas e efêmeras que, por vezes, escapam por entre nossos dedos, instantes tão delicados e sutis que é preciso muita habilidade para não perdê-los ou arruiná-los.
Final de tarde, cheiro de café, os sons da casa, a conversa pacata, o coração pacífico, o sorriso do filho, o beijo gostoso na pessoa amada, os gestos generosos, as cores do cactos, o vento suave, as colorações do horizonte. Tudo acontecendo ao mesmo tempo em uma torrente de estímulos e se fazendo sentido, e se fazendo aquilo que chamamos vida. E a vida acontece, se mostra, encanta nos recantos de nossas cozinhas, nos encontros com amigos, no labor do escritório, na varredura do quintal, no sossego da rede.
Por vezes, esperamos demais para começar a viver. Deixamos sempre para depois as conversas importantes, os afetos necessários; demoramos demais para notar que os nossos filhos estão ainda em nossas casas e, quando nos damos conta, eles já partiram; esperamos muito para dizer às pessoas o quanto elas são importantes e, quando abrimos nossos lábios, os lugares estão vazios. Por esperarmos tanto para começar a viver, deixamos vazar pelos cantos do tempo a existência que é tão valiosa.
Por vezes, esperamos demais pelas ocasiões espetaculares, pela presença das celebridades, pelas datas especiais, sempre, na esperança de que elas terão o poder de trazer sentido para nossas histórias ou mudar o rumo de nossa caminhada. Planejamos férias perfeitas, festas únicas, viagens a lugares distantes, mas nos esquecemos que quem irá desfrutar desses momentos é o mesmo eu que não consegue encontrar vida em seus próprios dias. Devíamos nos lembrar do que cantou John Lennon: “a vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro”.
Talvez, até agora estejamos tentando alcançar a mítica cidade citada por James Hilton em sua novela Horizontes Perdidos, e assim, o nosso Shangri-La seja sempre o sonho de outros, uma terra de estranhos, um lugar distante. Mas agora seria uma boa ocasião para nos questionarmos: Que momento mais precioso pode acontecer do que aquele no qual estamos com pessoas a quem amamos? Que momento mais precioso pode acontecer do que aquele em que temos nos braços o abraço de um filho? Que momento mais precioso pode acontecer do que aquele no qual estamos na intimidade de nossos quartos conversando com o próprio Deus?
Que tenhamos nossas mentes abertas e corações receptivos para compreender que grandes ocasiões, momentos inesquecíveis são aqueles que dão significado à existência, que dão sabor à vida. E, estes, se fazem de uma coleção de pequenas alegrias, de vizinhos e amigos, de filhos e família, de finais de tarde sonolentos sentindo o cheiro gostoso do café.