Metacelebridades

crying Marilyn Monroe graffiti
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No início dos anos 2000, fomos, minha esposa e eu, e nossos filhos bem pequenos, à Porto Alegre, na casa de uns queridos amigos de décadas. Eles tinham (têm) três filhas que são minhas sobrinhas postiças, a quem amo muito. Lá, meu filho mais velho, Thomas, é indagado por elas se ele “gostava da Xuxa”. Ele com uns 4 anos, faz cara de paisagem e pergunta “quem é Xuxa”?

A reação das meninas até hoje é lembrada com risadas aqui em casa. “Que chique!!!! Ele não sabe quem é a Xuxa!!!”. Elas tinham sido criadas na geração em que toda menina tinha que se vestir de “Paquita” ou “Xuxinha”, num misto de Cindi Lauper com Madonna, consagrados pela loura apresentadora da Globo.

Até hoje, com meus filhos já na faixa de 20 e poucos, nos deparamos com celebridades que desconhecemos solenemente. Sem falar das celebridades que todo mundo de bom senso adora ignorar, como o cara que imita foca, a outra com uns peitos enormes e funks pavorosos, temos as metacelebridades, para imitar um conceito filosófico recente, que usa meta pra tudo (metacapitalista, metanarrativas, etc).

Eu acho que usaria o termo Metacelebridades a pessoas que se tornaram conhecidas, se chamam celebridades, mas não as vemos como tal, talvez pelo simples fato de que ser “célebre” signifique mais do que os consagrados termos como “afamado”, “conhecido”. Penso que talvez, etimologicamente, deveria estar mais ligado a “celebrado”, ou “louvado por feitos” ou coisa que o valha.

Portanto, “metacelebridade” talvez possa ser um termo que (espero que eu seja o primeiro a defini-lo) signifique o que realmente o cara que imita foca ou a funkeira gorda, ou o narigudo apresentador de TV sejam: pessoas conhecidas de muita gente, e que tenham pouca celebridade, de fato, ou seja, alguém que tenha algo a me oferecer, a ponto que eu possa “enaltece-la”.

Celebração se liga(va) a coisas solenes – um culto, uma missa, o Natal, o Eid, o Ano Novo Chinês, e por aí vai. Celebrado significa lembrado em posição de destaque (o que deve fazer sentido na cabeça de quem acha legal o narigudo ou o barbudo político, etc). Hoje, celebra-se por razões que talvez não se devesse fazer.

Ao ascender a um “estrelato”, em termos, a metacelebridade assume imediatamente a posição de opinar sobre tudo. De lançamento de foguetes até a epidemia de Covid.

Isso é normal, afinal, opinião é como… não vou completar pelo bem dos leitores. Vocês devem conhecer o dito popular – não é por ter (opinião) que você precisa dar. A metacelebridade tem 1 milhão de seguidores. Isso, por si só, é um feito. Seja imitando foca ou cantando Caneta Azul, o fato é que uma multidão de pessoas se dispôs a “curtir” algo, e seguir uma pessoa. A metacelebridade, do alto da multidão de pessoas dispostas a ouvir quase qualquer coisa que falem ou façam, sente que pode opinar, e influenciar, essa multidão em qualquer aspecto da vida e do “saber”.

O que não é normal não é que a vaidade da metacelebridade suba à cabeça e que ela fale ou faça o que não deva ou tenha condições para tal. O que não é normal é que alguém seja incensado, e, de fato, celebrizado, pela grande mídia, que deveria agir como curadoria da sociedade.

Xuxa veio a nós nua (literalmente às vezes) e crua, sem qualquer curadoria. Ao longo de sua carreira nos brindou com uma infinidade de pérolas. Cheguei a buscar algumas na internet, mas os pouparei da agrura. O rapaz da foca também, bem como o narigudo da TV não merecem também qualquer diferenciação de tratamento, dadas as platitudes.

Não sou saudosista, não acho que só meia dúzia de pessoas têm o que dizer. Muita gente tem, e muita gente me surpreende pela fineza de raciocínio e a beleza da pluma. Um planeta com mais de 7 bilhões de pessoas certamente tem milhões com pensamentos que valem à pena celebrizar. Não sou, tampouco, purista a ponto de me remeter somente aos clássicos – aliás, minhas críticas a alguns deles, como Nietzsche ou Freud são muitas.

O que um mundo de metacelebridades clama é por um pouco de curadoria. Que a imprensa e a intelligentsia voltem a ler, refletir sobre, e criticar para nós, mortais, dando pelo menos uma aparência de maior ordem no caos dos zilhões de palavras jogadas ao vento todos os dias (como essas…).

Um comentário em “Metacelebridades”

  1. Você não se atreveria a jogar sequer uma palavra destituída de valor ao vento.
    Escrever com maestria, zelo e cuidado é predicado na atualidade para poucos e raros. Você, evidentemente, é puro, é raro, meu querido amigo.
    Parabéns pelas letras ora NÃO lançadas ao vento.
    Vento que já foi ameaçado de prisão por uma metapolítica caseira.
    Aquela mesma que tem inúmeros “seguidores” mundo afora que curtem suas tiradas inúteis, desconectas e analfabetas mesmo.
    Assim caminha a humanidade “esperta” nos tempos moderninhos.

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