Teoria da Descontinuidade Normativa

Certa vez li algo, en passant, sobre a Teoria da Descontinuidade Normativa. Li, e esqueci totalmente de onde li. Só que, tanto na minha cabeça quanto com relação ao sentido comum que fazia, fiquei “apaixonado” pelo conceito que foi descrito ali, e que, na minha visão, exemplificava um montão de coisas que aconteciam hoje e que eram fruto exatamente daquele pensamento.

Na minha cidade, Cordeiro (Rio de Janeiro), conversando com um primo conversador e inteligente, falei sobre o assunto. Ele, como sempre controverso e provocativo, duvidou que essa teoria existia. Passei talvez dois ou três anos “entisicado” com a falta de documentação sobre ela.

Recentemente resolvi fazer um teste, usando o ChatGPT, e, voilà, o tal instrumento “satânico” retornou o seguinte pra mim:

A teoria sociológica que aborda a ideia de que um comportamento se torna menos aceitável quando está em declínio na sociedade é conhecida como “teoria da descontinuidade normativa” ou “teoria da descontinuidade moral”. Essa teoria sugere que as atitudes e normas sociais são influenciadas pelo contexto histórico e pela mudança social.

De acordo com essa teoria, quando um comportamento está em declínio na sociedade, seja devido a mudanças culturais, avanços tecnológicos, pressões econômicas ou outros fatores, ocorre uma descontinuidade moral. Isso significa que as pessoas começam a questionar e desafiar a aceitação desse comportamento, tornando-o cada vez menos aceitável.

No exemplo mencionado, a abolição da escravidão, a teoria da descontinuidade normativa argumenta que o declínio gradual da instituição da escravidão na sociedade contribuiu para que a abolição ganhasse mais adeptos. À medida que a escravidão se tornava menos comum e outras formas de organização social e trabalho emergiam, as pessoas começaram a questionar a moralidade e a ética da escravidão. Isso levou a um aumento na demanda por sua abolição, eventualmente levando a mudanças legais e sociais.

Essa teoria destaca a interação complexa entre mudanças sociais, normas culturais e atitudes individuais. Ela sugere que a mudança social não ocorre de forma linear, mas sim através de momentos de descontinuidade moral, nos quais as normas e atitudes se transformam rapidamente à medida que um comportamento entra em declínio.

Alguns dos principais sociólogos e teóricos sociais que contribuíram para o desenvolvimento dessa perspectiva incluem:

  1. Emile Durkheim: Considerado um dos fundadores da sociologia moderna, Durkheim argumentou que as normas e valores sociais evoluem à medida que a sociedade passa por mudanças e transformações. Ele explorou a relação entre mudança social, moralidade e coesão social.
  2. Max Weber: Weber examinou o papel das ideias e valores na sociedade, destacando a importância das crenças compartilhadas para a estabilidade social. Ele enfatizou como as mudanças sociais afetam as normas e os valores morais, influenciando o comportamento individual e coletivo.
  3. Talcott Parsons: Parsons propôs uma teoria sociológica ampla que abordava a mudança social e a adaptação de normas e valores. Ele enfatizou a necessidade de coerência e integração social à medida que as normas se transformam.
  4. Neil J. Smelser: Smelser desenvolveu uma teoria da mudança social baseada em eventos desencadeadores e processos de descontinuidade social. Ele explorou como os eventos históricos e sociais afetam a evolução das normas e valores sociais.

É importante destacar que a teoria da descontinuidade normativa é uma perspectiva ampla e multidisciplinar, e outros estudiosos também contribuíram para o seu desenvolvimento. Diferentes abordagens e enfoques podem variar em termos de ênfase e teorias específicas utilizadas para explicar como a mudança social afeta a aceitação e a rejeição de comportamentos na sociedade.

ChatGPT…

Pois bem, finalmente “provei” ao meu primo que a teoria existe… mas e daí?

Disrupção da Norma

O exemplo que soprei pro ChatGPT, e que me retornou o assunto acima, foi a escravidão. O que a teoria quer dizer: que quando o mundo estava “imerso” na cultura da escravidão, a maior parte da população sequer conseguia entender essa instituição como algo “mau”, mesmo pessoas de grande sensibilidade, honra, ética e princípios. Não era somente o fato de que “todo mundo faz”, e portanto, deve ser correto. Não é isso: é que as pessoas não conseguiam sequer entender que pessoas de pele negra eram “seres humanos”. Uma grande parte da academia (e dos púlpitos, diga-se) se dedicou a “comprovar” que a raça negra era, inclusive, uma “coisa” diferente dos homens brancos. O mesmo foi dito de asiáticos e outros, em outros momentos. Foi um momento muito sombrio da história.

Este momento difere de outros, principalmente no império romano, pois lá, a despeito de haver escravidão enorme, não havia o conceito casuístico de que o escravo “não era ser humano”. Mais honestamente, o romano sabia e dizia que se tratava de “gente”, apenas inferior em razão de conquista militar.

Na medida em que a escravidão começa a declinar como instituição, a “grita”, os movimentos organizados e outros meios de protesto começam a ganhar corpo, culminando na erradicação desse mal.

Aqui não há ruptura algum com o mais alto padrão moral já elaborado. O Novo Testamento é claro quanto à igualdade de todo ser humano, e o Apóstolo Paulo apenas diz ao escravo que “sirva ao senhor como ao próprio Deus”, não por considerar qualquer direito do senhor sobre o escravo, mas por tornar a vida do escravo algo significativo para si mesmo. No fundo, ver-se trabalhando para Deus é mil vezes mais significativo, e digno do que trabalhar para qualquer patrão. De quebra, essa atitude tinha o condão de “amaciar” e tornar o senhor menos cruel, ou envergonhado de sua crueldade… bom, nem sempre, claro.

Movimentos de Força

Pode se alegar com isso, que os movimentos atuais, como LGTBQ!@#$% etc estejam indo na mesma toada. O filho de um amigo meu, brasileiro e que vive nos EUA, criado em uma igreja cristã, me falou sobre a necessidade de “normalizar” o comportamento homoafetivo. Isso, na visão dele, significaria tornar o fato algo “comum e corrente”. É um dos exemplos de Descontinuidade Normativa em vigor hoje, por conta de um problema cuja solução (ou dissolução) já teria sido alcançada socialmente. Meu problema com isso é que somente uma pequena camada da sociedade, mas muito vocal, entende isso como algo realmente normal e aceitável. A maioria, ou é ignorante sobre o conceito, contra ele ou indiferente.

Creio que essa “normalização” vai acontecer, independentemente do que nós, cristãos, achemos, e do que diga a Bíblia. Mas o ponto não é esse. Esse escrito é sobre algo que era impensável até um tempo atrás, e que rapidamente (e cada vez mais rapidamente devido às redes sociais) vai se tornando algo aceitável.

Velocidade da Normalização – Âncora e Norma

Vejo que o problema começa no momento em que a sociedade não normalizou algo, ainda – dentro de si, e algum grupo “empurra a pauta” goela abaixo. O exemplo mais claro são os pronomes neutros. Amigos, amigas e amigues, todos todas e todes… A língua é um “ente vivo” como diria meu pai, e vai se transformando na medida em que a sociedade evolui. A norma culta, aplicada pela influência literária de luminares como Shakespeare (inglês), Goethe e Schiller (alemão), Dante Alighieri (italiano), Cervantes (espanhol) ou Camões (português) serve para criar uma âncora que permita que gerações se entendam, com base nos mesmos padrões, e que a língua de um século seja totalmente obscura a outro, criando um abismo de conhecimento intransponível.

Sociedades mais avançadas, como a grega e a romana, são justamente aquelas em que a norma culta pode ser preservada pelos séculos. Bárbaros são justamente aqueles que não souberam fixar por escrito suas tradições e ideias, e por isso se perderam no tempo. Por isso é mais fácil reconhecer Roma, Grécia ou China, do que impérios semelhantes, ou até maiores, como o Mongol e Huno.

A forçada de barra que está sendo imposta por essa “novilíngua” politicamente correta, nos leva a crer que há uma indevida imposição sobre o Espírito do Tempo, e para além desse.

Fait Accompli…

Para além de forçar uma barra cultural, o que vejo diante de mim, hoje, é uma tentativa de normalizar condutas que não apenas são discutíveis, diante de Deus e humanos, mas tremendamente execráveis diante de ambos, e para além do Espírito do Tempo (pros mais chiques, Esprit du Temp ou Zeitgeist).

Como exemplo, coloco a transição de gênero para crianças de 10, 12 anos de idade, e pedofilia, que não me parecem que deveriam ser “normalizados” nem mesmo se a sociedade se acostumasse e eles. O canibalismo já foi aceito e praticado em diversas sociedades e, por imperativos morais (sequer restrito ao cristianismo) deixou de ser coisa aceitável para se tornar abominável, o que realmente é. Espíritos mais combativos, como o do meu primo, diriam (só pra atazanar): “ah, mas canibalismo seria aceitável para alguns” e argumentaria ad nauseam sobre o treco, só pra ter o prazer de discutir. Eu diria que para além de qualquer outra consideração, é uma desnecessidade. Prefiro dar razão a vegano do que a canibal, retrucaria eu. E ambos cairíamos na risada…

O processo chamado de Ação Afirmativa propugna que forcemos a barra para criar situações que venham a se tornar “normais”. Essas ações incluem alguns monstrengos como a política de quotas em universidades e no serviço público, quotas para minorias em empresas, etc.

O resultado da Ação Afirmativa costuma ser o posicionamento de pessoas ou grupos artificialmente em posições inadequadas para boa parte de seus membros.

Alguns grupos querem apressar dessa forma o processo de Descontinuidade Normativa, tornando o mesmo disruptivo e abrupto. Não posso concordar com isso, principalmente quando da boca de quem deveria zelar pela ortodoxia, proclama de púlpito que devemos, por exemplo, “resignificar” a Bíblia. Esse resignificado me soa um monte como Disrupção Normativa fora de tempo. E aliás, sobre algo que, na minha opinião, não é temporal nem cabe resignificado algum.

Triste fim do Bom Senso

O resultado de um processo que atropela o passo da sociedade é uma brigaria sem fim, que não faz bem nem à minoria nem à maioria; uma briga que acaba por fazer com que a sociedade perca o foco e o padrão. Enfim, o resultado é a confusão e o caos. Do caos, claro, sempre surge um aproveitador que acaba “botando ordem na casa” à força, e acaba por acabar com qualquer chance de evolução social natural e pacífica.

O bom senso, o senso comum (como dizem os anglicistas) deveria ditar as regras numa sociedade baseada na educação formal. Vejo isso se perdendo de nós como areia entre dedos secos.

Oremos…

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