O Bonito é Difícil?

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Lutei a infância e adolescência pra aprender a ler música e a tocar um instrumento por ela. A preguiça e a pressa não me permitiram. Toco um violão meia boca, um baixo pior ainda, tudo de ouvido, e apenas e quase só na Igreja os nas atividades dela.

Minha esposa começou aos 5 anos no piano, lê música, rege corais, cursou faculdade de música sacra e é minha fonte de inveja eterna… Foi persistente e isso dá a ela hoje um “ativo” difícil de se obter depois de velho.

Um violinista disse que odiou o violino e as partituras até que finalmente começou a não pensar mais na “técnica” e a tocar o que lhe desse na cabeça, lendo ou não a pauta, porque já não precisava dela. A técnica o escravizou, depois ele escravizou a técnica.

O mesmo vale pra leitura. Nessa área eu vou melhor um pouco. Papai, professor de Português, sempre teve centenas de livros em casa e nos incentivava a ler. E não a ler qualquer coisa. Tenho até hoje a versão d’Os Lusíadas que ele me “deu” (roubei, melhor dito), da Editora Melhoramentos de 1950 e qualquer coisa. Linda! Li Machado de Assis pra caramba e odiei (Lusíadas também). Meu maior desafio, porém, foram os Diálogos, de Platão – principalmente “A República”, que eu me lembre. Sensação de perda de tempo, de opressão mesmo. Livro vai, livro vem, fui me ajustando a uma literatura, digamos, mais cordial a mim, como Stephan Zweig, Henri Charrière, Émile Zola, entre outros “clássicos não tão clássicos”. Adorei o conceito de “série” contida na epopéia dos Rougou-Marquart, de Zola, “uma história natural e social de uma família sob o terceiro império”, que começa com a história de Naná, uma prostituta, e cuja família vira “gente fina”. Fui polindo minha leitura até que hoje, vejam vocês, vou de um lado a outro do espectro, de “coisas” como J.K. Rowling e mesmo Paulo Coelho até C.S. Lewis, Eugen Rosenstock-Huesy, entre outros.

Bonito, então, é difícil sim. Tem que ser, pois que bonito é algo que se olha de fora e se admira como algo pouco, ou muito, extraordinário. Duvido que achemos uma flor algo “simples”, uma concha perfeita como “simplória” ou um soneto de Vinícius de Moraes algo “comum”. Útil também é difícil por natureza – pois que para ter utilidade deve necessariamente se prestar a um papel diferente do de estar parado, sem uso.

Para que todo esse palavrório? Porque estamos vivendo uma época de preguiça mental e hiper-simplificação de conceitos e significados. Esses dois exemplos – a música e a literatura, e a necessidade de trabalho duro sobre ambas, a fim de dominar o básico, para daí seguir, é um chamado ao “Ordo ab Chao”, sobre o que já tenho chamado atenção aqui e acolá. A ordem sobre a tendência do ser humano de simplificar coisas além do que é possível, e a certeza, como disse Einstein, de que não se deve simplificar além do máximo possível. A vida não para de pé, a sociedade não pra de pé, a religião não para de pé, nem um motor de fusquinha “para de pé” por assim dizer, se não houver a complexidade mínima que permita às partes funcionarem.

O título do artigo poderia ser “O Bom é difícil” ou “O útil é difícil” ou muitos outros. Apenas selecionei “bonito” por ser compatível com os dois exemplos que dei. Não há música bonita sem a mínima complexidade das notas que a compõem, assim como não há literatura possível sem o mínimo de trama, de arrumação gramatical ou semântica que nos leve a ter prazer nela.

Com nossa tendência ao caos, ao “mínimo possível”, à lei do menor esforço, enfim, a tudo o que desarruma, em vez de arrumar, teremos o mesmo fim melancólico que estamos presenciando na cátedra hoje, na família, hoje, na igreja, hoje, e em todo lugar.

Há um “diabo” em sociedade que nos sopra no ouvido sempre que o “simples é melhor” – simples sim, mas não menos do que o necessário à utilidade e beleza .

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