Como qualquer país com uma constituição minimamente funcional, o Brasil (que está no limite inferior disso) possui política de “checks-and-balances”, para usar a expressão popular dos EUA. É necessário que os três poderes se controlem e se mantenham na linha, e equidistantes.
A 4a. feira, 17 de Fevereiro de 2021, começou com a notícia bomba da prisão de um parlamentar do PSL-RJ, Daniel Silveira, por crime contra o STF – prisão “em flagrante” (aspecto mais questionado de todo o imbróglio) entre otras cositas más. Como já opinei em outro local, acho a fala do parlamentar de mau tom, e francamente execrável. Mas creio que só um idiota para acreditar que o sujeito realmente tenha a intenção de, de fato, fazer um levante contra o STF. Quer quiser fazer isso, de fato, certamente fará com um sniper no alto de algum prédio de Brasília, de posse de um rifle de grosso calibre, silenciado, e uma possante mira laser. Não parece ser o caso – apenas alguém que, no fundo, quer se “manifestar” – do pior jeito possível, mas sim, dizer o que pensa
Por que o Deputado se manifestou assim?
Em primeiro lugar, temos que entender o que pode ter motivado o cara a falar o que falou. Algumas ideias:
- Sintonia com o Eleitorado – Ele está em sintonia com seu eleitorado, e no fundo, no fundo, sabe que quem o elegeu pensa igualzinho. Embora brasileiro não seja muito dado a atentados, ele adora imaginar o tal sniper explodindo a cabeça de um ministro do STF (NÃO estou querendo, nem expressando aprovação nem nada do estilo, “talkey”, Ministros?). Assim, ao falar o que falou, sabe que está agradando quem o elegeu.
- Sintonia com a Opinião Pública – Ele sabe que, mesmo fora do seu eleitorado (e até na esquerda, por razões distintas) o STF goza de popularidade abaixo da crítica, e com isso confirma a noção que todos nós (vade retro) pensamos que o “STF tem que acabar” (de novo, STF, NÃO acho isso, ok?). Assim, ele joga para uma plateia maior ainda, e ganha uma notoriedade que não tinha (eu mesmo sequer sabia da existência do ilustre parlamentar até hoje cedo).
- Protagonismo da Corte – Ele ganha espaço numa discussão que só existe porque há um protagonismo excessivo da Corte, inclusive com o tal inquérito secreto, iniciado pelo próprio julgador, a Corte, e que não tem pé, cabeça, princípio, fim, ou publicidade que permita à sociedade julgar o que está sendo feito ali. O STF deixou a circunspecção que sempre cercou o tribunal, e passou a opinar extensiva e ostensivamente sobre qualquer ato do executivo e legislativo, numa clara intromissão (ainda que também preservada pela liberdade de expressão, diga-se) em outros poderes.
- Uma no cravo, uma na ferradura – Ao invocar a Lei de Segurança Nacional – peça de museu de horrores que o próprio STF diz estar em vigor – e ao mesmo tempo criticar e prender o deputado por ser a favor do AI-5 é, no mínimo, um contrassenso. Não faz sentido invocar um instrumento da ditatura para cercear o direito de falar bobagem de um defensor de outro instrumento da ditadura.
Checks-and-Balances
Parece que pra político brasileiro (e membros do judiciário), “checks and balances” parece tratar tão somente de instrumentos de movimentação bancária e peças contábeis… hehe. A postura do STF difere da maioria das cortes da mesma magnitude em outros países, por conta de aspectos que nada tem a ver com a posição política de seus membros. O STF se imiscui em discussões sobre as quais um dia poderá julgar. Ou seja, ao expressar – sem ser consultado – sobre o fato “A”, ou Decreto “B”, ou ainda a fala de fulano e beltrano, o STF atrai para si a pecha de “tomar partido”, o que não é bom para corte alguma.
Em se tratando de Brasil, o fato é magnificado pela sensação (disse “sensação”, por favor!) de que há ministros da Corte que sim, têm visões ideológicas claras e que trabalham ativamente para apoiar suas “causas”.
Tem ministro que parece Lamartine Babo narrando Fla X Flu na Rádio Nacional, nos anos 40 ou 50, que quando o Flamengo ganhava escanteio, dizia, sem a menor cerimônia “escanteio pra nóóósss”… Parece engraçado, e é, mas não é inteligente achar bacana – afinal, o que se espera do narrador esportivo é a imparcialidade que todo jornalista (inclusive esportivo) deveria ter. Ministro que coloca sua “causa”, sua opinião na mídia, está sujeito, mesmo, a tomar uma ou outra pedrada, e cá entre nós, não sem certa razão.
Crise Institucional?
Afinal a fala do tal deputado consiste ou não em uma crise das instituições? Bom, para quem já viu as barbaridades que os deputados norte-americanos como Ilan Omar ou Alexandria Ocasio-Cortez falam em cadeia nacional, as diarreias verbais de Bernie Sanders, todos congressistas, gente eleita, não poderia achar que o desatino verbal de Silveira represente algo de maior importância.
Afinal, deputado deveria servir, sim, pra falar mais alto, e até mais bobagem (eu dispenso, mas acontece) do que ficar de cochichos ao pé do ouvido e negociatas aqui e acolá, nos corredores do Congresso. Prefiro um deputado boquirroto do que um facínora ladrão. Não é a opinião deste ou aquele infeliz que fará diferença num edifício constitucional sólido. Só estamos discutindo isso tudo, em minha opinião, justamente porque o próprio ministro do STF acha duas coisas: a)que o tal edifício não é assim tão sólido e; b)ele se acha no direito de não seguir um ou outro preceito constitucional.
Não vejo qualquer crise, aqui, e por causa desta fala. Não acho sequer que o caso merecesse QUALQUER tipo de repercussão maior. Acho que a atitude de Alexandre de Moraes o expõe, expõe a Corte, e expõe uma situação tão desnecessária que só a tentativa de deter mais poder do que prevê a constituição daria origem.
O silêncio de Bolsonaro
Mas o que me irrita mesmo é que Bolsonaro não fala nada. Não sei se é bom ou ruim o silêncio dele. Só me irrita, porque o cara fala o que deve e o que não deve em assuntos em que não deveria abrir a boca para opinar. Deixa eu respirar fundo e repensar: acho que ele tem o direito e o dever de permanecer calado – como bom italiano, só parece não ter a capacidade para isso. Mas se fosse um cara cuja opinião fosse dada na hora certa, da forma e com as palavras corretas, talvez abrir a boca num momento desses servisse para apaziguar ânimos e evitar problemas. Infelizmente ele não é assim.
Ressalva a quem me ache contra o cara: NÃO sou contra ele ou o governo dele. Ainda vejo no governo dele mais coisas positivas do que negativas, a despeito da quase lavagem cerebral que temos recebido da mídia. É fato que o que “mata” o presidente é a forma de falar, e não o conteúdo, na maior parte das vezes.
Concluindo meu texto (como sempre, escrito de mim para mim, para arrumar minha própria bagunça interna), creio que o deputado é um bobão, que o ministro do STF agiu como outro bobão, e que um episódio extremamente babaca vai acabar dando à luz um monstrinho com cara de crise institucional.