Sempre tento fugir da platitude, do lugar comum, quando escrevo algo. Não é tanto por mim mesmo, mas pra tentar não encher o saco de quem lê. Se o texto já não é tão bom em si, fazê-lo intolerável é fácil. Difícil é fazer alguém ler.
Falo isso por conta das tristezas dessa vida, que parece que parou desde Março de 2020, e as pequenas e grandes tragédias que nos acometeram, como família, nesse tempo. Tragédias que são exacerbadas na nossa cabeça por estarmos trancados sem direito a habeas-corpus por um vírus.
A tristeza que começou em 2020, com Covid, mas principalmente pela morte do Tio Aluízio, o tio mais velho, de 87 anos – não dessa peste, mas de coração mesmo. 2020 terminou com aquele ar de “que vá e não volte”… uma exaltação prévia a um 2021 que poderia se mostrar mais benevolente. Não foi.
Em Fevereiro, um primo-irmão Carlos Eduardo, filho deste mesmo tio Aluízio, é assassinado por um condômino do mesmo prédio, amante da síndica, e que estava com ela cooperando pra subtrair o condomínio em uma bela grana. Meu primo, na comissão fiscal, descobriu e foi morto dias antes da assembleia que discutiria o fato. Morte brutal, desnecessária, horrenda. Mas não foi a Covid, ainda.
Agora em Março, ontem mesmo, outro primo-irmão, Arisley, morre depois de curta mas dura agonia, num hospital em Teresópolis. Felizmente morre cercado de amor da esposa Bernadeth, da irmã, Rosane e da mãe, Tia Chirley (com C mesmo). Sofreu menos do que sofreria, mas aos 61 anos ninguém acha que vai morrer. De novo, nada de Covid, Foi câncer mesmo.
Três amados, que, em tempos da Covid, não sucumbiram a ela. No fundo, fica aquela impressão de “quem dera” em mim… E por que? Ora, quando milhares de mães e pais enviam seus filhos a uma guerra (sempre me vem à mente a II Guerra, que consideramos “justa”), todos sabem que podem receber um telegrama dos militares informando da “morte corajosa, em batalha”. E assim, coletivamente, nos consolamos.
A Covid, como batalha, daria talvez mais sentido às mortes. Ora – há uma justificativa. Estou junto com milhares de famílias que sofrem por algo que “está aí”, está acontecendo, e que nos faz coparticipantes dessa tragédia coletiva. Guerra, ou Peste, são mais fáceis de justificar pra nós mesmos. Nossa cabeça encontra racional para isso, mais do que para um coração dodói, para um assassinato idiota, pra uma doença terrível (mas curável e conhecida).
É o caráter coletivo da Covid e da Guerra que nos traz certo conforto. O conforto do “combatente”. O conforto de quem está numa guerra – contra nazistas ou contra um vírus – mas uma guerra, em que a regra é acabar morto, e ter escapado uma exceção.
Meus soldados caídos, meus amados que verei na Glória Eterna, esses estão guardados por Deus. Não me chateia, não me irrita nem me faz maldizer o Criador. Pelo contrário, no fundo me faz ansiar pela minha própria “cura definitiva”, quando Deus enxugará dos meus olhos toda lágrima.
A última vítima da insanidade da vida na terra, Arisley Montechiari, deixa filha e neta, esposa, mãe e irmã, que certamente chorarão muito de saudade, mas não creio que de tristeza ou raiva. O conforto é muito grande, quando se anda com Deus. O que dizer de tantas outras vítimas das mesmas insanidades, e que além de tudo, creem firmemente que os queridos viraram pó e acabou tudo ali?
De novo, escrevo sempre e primariamente para mim mesmo. Portanto, estou ME consolando, ME tratando psicologicamente, para não enlouquecer, trancado numa gaiola de ouro, esperando o momento em que nossos mestres e líderes nos deixarão viver em certa liberdade ainda. Mas vou me consolando com o fato de que tudo aponta para o fim dessa brincadeira de mau gosto enorme chamada humanidade decaída, pecadora, miserável.
A quem fica, meu respeito. Não consolo, apenas respeito. Sei o que vocês passam – estamos passando juntos. Sei o que representa viver sem alguém amado – todos sabemos. Sei o que é a insanidade da perda devido a um universo que saiu de dentro do amor de Deus e se perdeu nos erros dos tantos alvos com os quais nos confrontamos todos os dias.
A quem coloca pequenos deuses entre si e sua família, sejam políticos, ídolos de qualquer matiz, não se leva a sério. A quem coloca ideologias acima da racionalidade e entendimento da vida, com suas mazelas e alegrias, meu profundo desrespeito. Não um desrespeito que age, que xinga, que menospreza. Não. Desrespeito no sentido lato da palavra: não respeito. Adoraria ver seres humanos discutindo em paz, mas sempre, com a cordialidade que advém da certeza da finitude da vida, com a certeza de que no final das contas, não pagam as minhas contas: Deus e eu fazemos isso. A esses, e me incluo, peço que tiremos de entre nós os pequenos deuses que nos infernizam o relacionamento.
Deus nos console a todos, nessa nova e insana guerra.
O que me conforta é saber que estaremos todos juntos na Glória.
Agradeço a Deus por aquele momento que tivemos no Hani. Por podermos ter um momento feliz, onde não há outro assunto, se não a família e as histórias dos que amamos. Por podermos lembrar que o que nos une não são as opiniões política ou religiosas, mas sim o sangue.
Meus sentimentos para nós, que perdemos os nossos amados sem uma devida despedida. Que vemos parte da nossa família ir, levando uma infinidade de lembranças que nos fazem ser quem nós somos.
A vovô, a Tio Aluízio, a Carlinhos, a Arisley: que Jesus não demore a vir para nos encontrarmos novamente.
Excelente postura, Ângelo. É só isso mesmo que temos, o sangue de família, aqui, e o Sangue de Jesus, lá…