Estados Digitais

man in blue crew neck t-shirt holding white printer paper
www.unsplash.com

O Contrato Social

Jean-Jacques Rousseau tenta explicar, em seu “O Contrato Social”, a forma como a sociedade elaborou, ao longo de séculos, um pacto, em que os indivíduos abrem mão de determinados direitos em nome de obter as coisas básicas para uma vida “normal”: ordem, paz (ausência de guerras), justiça, etc.

Rousseau viveu numa época em que os estados nacionais modernos se encontravam ainda no nascedouro – tudo, até então, passava por imposição, em maior ou menor grau. Portanto, julgo eu, até a renascença, pelo menos, estados nacionais no conceito moderno do termo, não existiam.

Em 1762, quando Rousseau escreve, estávamos ainda a 14 anos da declaração de independência dos EUA, que abriu a “era moderna” (minha opinião) dos Contratos Sociais. Logo após, em 1789, a Revolução Francesa, uma excelente iniciativa cooptada pela esquerda da época, que a transformou em nada mais do que um grande banho de sangue, mudaria para sempre o comportamento dos reis e presidentes em suas cadeiras – de déspotas, ou quase, a seres incomodados com a opinião alheia – do povo. Isso, pela primeira vez na história.

Para ser bem justo, o primeiro experimento (forçado, diga-se) de algum tipo de descentralização de poder, se dá com a Magna Carta (o título inteiro dá uma boa ideia do que era – “Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês”, assinada debaixo de porrete pelo Rei João sem Terra, da Inglaterra, ainda em 1215. Descumprida pelo monarca desde o princípio, serviu, mesmo assim, de base para a moderna sociedade inglesa. Pasmemos: um documento odiado pelos reis, mal usado pelos nobres e posto em frangalhos pela Igreja serviu, mesmo assim, de base para a primeira grande nação da era moderna, e até hoje nos causa espanto.

Tudo isso computado, quando os EUA se chamam de um “Farol sobre a Montanha”, se referindo ao exemplo que deram ao mundo, não podemos dizer que se trata de exagero. De fato, ter constituição, e leis que tornem o estado democrático de direito algo primordial em uma sociedade, em que:

We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness”… (Temos essas verdades como sendo auto-evidentes, em que todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis, entre os quais esão a Vida, Liberdade e a busca da Felicidade)

Bill of Rights, 1789

Definição de Estado Nacional

Antecede esses direitos e definições o conceito mesmo de Estado Nacional. Portugal é considerado o primeiro estado nacional dentro do conceito moderno, de nação – território definido, governo central, cidadania, etc. Fundado (conquistado por casamento) por Dom Afonso Henriques, depois Afonso I, tinha as características que hoje se esperam de um estado nacional:

  • Fronteiras – Definições claras de fronteiras marcam a base de um estado nacional moderno. Sem fronteiras demarcas, e principalmente, reconhecidas, não há estado nacional moderno; Disputas de fronteiras podem ocorrer, mas dentro da sede de um marco legal preexistente e reconhecido ao menos em parte, por outros estados nacionais
  • Cidadania – A definição de cidadão de determinado país, dada fundamentalmente por nascimento em suas fronteiras, é definida diferentemente por alguns países – desde os ultra-estritos, como o Japão (para quem alguém que nasceu lá pode não ser japonês, se não tiver características e ancestralidade japonesa) até os EUA (para quem o nascimento em seu território, mesmo se por acaso ou propósito específico de gerar cidadania são a regra), as definições de cidadania é a mesma – alguém “nosso” para quem nossas leis se aplicam. Neste conceito se abriga o “direito” de deportar cidadãos, por quaisquer razões que o Estado entenda aplicáveis.
  • Governo Central – Entidade controladora da justiça, leis, regras, a quem se delega o monopólio da violência (com exceções, como os EUA e seu sagrado direito de porte de armas ao cidadão) e controle da economia, moeda, etc.

Ficamos apenas nessas três características, já que o texto já se alonga.

Estados Digitais

Se eu estou dentro do Facebook, Instagram ou outra rede qualquer, apenas para ficar nas mais influentes e poderosas, aparentemente estou dentro de um “local virtual de convivência”. Chama-los de “redes sociais” implica, em minha opinião, em chama-los, fundamentalmente, de “estados digitais, no sentido em que, de fato, esses “espaços geo-digitais” se constituem num Estado Virtual. Como não?

  • Fronteiras – Possuem fronteiras claramente demarcadas. Aliás, são as fronteiras mais claras da história – tem que entrar no sistema, ou seja, passar por suas fronteiras, para “estar” no “país Facebook” ou “país Instagram”. Dentro desses países virtuais, temos a clareza absoluta de onde estamos no momento, mas não sabemos onde estão as fronteiras. É como morar no Amazonas e não enxergar, ou talvez sequer compreender, a distância que existe até o Rio Grande do Sul. Pior ainda, porque essas fronteiras se expandem na medida em que novos cidadãos virtuais nascem e desenvolvem novos territórios virtuais, alargando o tamanho da “nação”
  • Cidadania – Ora, para entrar neste país virtual, temos que nos cadastrar, e sermos aceitos. Isso obviamente gera uma cidadania, a qual é-nos graciosamente concedida pelo Governo Central. Os casos atuais de “cancelamentos” virtuais são uma analogia mais que perfeita com os banimentos praticados por alguns estados nacionais. Banir, cercear, punir, prender (ainda que virtualmente), multar ou quaisquer outras atitudes contra o “cidadão” comprovam que há, nesses países virtuais, um conceito claro de cidadania
  • Governo Central – Fica claro que se alguém dita as regras, tem o poder de definir as “leis” e detém o poder de polícia – o monopólio da “violência virtual”. Sua constituição e sua declaração de princípios, da qual lança mão para punir quem quer. Em sendo uma propriedade privada, trata-se, portanto, de uma monarquia, no mais estrito sentido do termo – Um que Manda.

Resultados

Somos então, cidadãos de estados nacionais virtuais, que cobram de nós impostos (pagamos, direta ou indiretamente, para estar ali, ou pagam por nós), nos mantém “na linha” e tem o direito de prender e banir, perguntamos: que direito temos?

Em monarquias tradicionais (sobram pouquíssimos exemplos delas), os direitos costumam ser nuisances, à disposição e alvedrio do monarca. Aplicam-se, ou não. Ocorre que, sendo estados virtuais supranacionais, não devem nenhuma obediência aos seus súditos. Ou será que deveriam dever (sic!)?

Em termos de Facebook, Instagram, WhatsApp, Parler, etc, não temos muita liberdade de expressão, e, no fim das contas, acabaram por nos caçar o direito de falar o que pensamos. Percival Puggina, hoje, reflete texto de Alex Pipkin, no qual este diz que “o primeiro cancelamento a gente nunca esquece”. De ontem para hoje, um texto dele foi “banido” (equivalente no mundo real de terem censurado o texto por ferir a moral e bons costumes, ou algo semelhante).

Como conservador convicto, creio que a empresa privada tem o direito de fazer o que quiser. No entanto, já não parecem se tratar de empresas, mas de monopólios, monarquias, e como tal talvez devam ser tratadas. À exemplo da Standard Oil ou da Mother Bell, talvez o nosso CADE virtual devesse impor algumas regras de funcionamento ou até provocar sua divisão.

Não apoio a divisão desses meios, pois a medida seria mais arbitrária do que o que essas “comunidades” fazem com seus cidadãos-virtuais. No entanto, equivalente a um posto de gasolina que tem que ter determinadas regras de segurança, ou frigoríficos que devem ter regras sanitárias, entendo que a constituição de um país deva ser aplicada ao mundo virtual que circula e contém seus cidadãos de carne e osso. Ora, se temos, no mundo real, o direito a opinião – ainda que por isso possamos ser levado à justiça – que tenhamos a mesma condição no mundo virtual. Não sermos taxados disso ou daquilo por conta de um rapazote ou moçoila de 20 e poucos anos, que se arvorou no direito de nos cancelar, por terem ficado irritado(as) com o texto.

No fim das contas, num mundo em que vivemos boa parte do dia virtualmente, estamos acabando por ser mais cidadãos virtuais do que reais.

Diversidade

www.infomoney.com.br

Diversidade é uma dessas palavras que ganharam novo significado, nos tempos que vivemos. Ganhou um significado que talvez nem todo mundo goste, e que preciso – confesso – entender bem, para não cometer erros de julgamento.

Um cântico que tínhamos em nossas igrejas (evangélicas, e algumas católicas) antigamente se chamava “Unidade e Diversidade”, e se baseava num texto de Atos dos Apóstolos e diz assim:

Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum.

Atos 4:32

O texto fazia menção à diversidade das pessoas que creram em Jesus Cristo, a nova fé do primeiro século, de sua condição diversa (pobres, ricos, livres, escravos) e sua unidade através de “um coração e uma alma”, a ponto de ninguém considerar algo como sendo seu mesmo (voluntariamente).

Era uma diversidade um tanto diferente da que temos aqui: por serem diversos, uniam-se voluntariamente, debaixo de uma fé e um coração, sem necessidade de imposição ou campanhas “explicativas”. O CEO e o peão do chão de fábrica, usando uma comparação moderna, conviviam e tinham as coisas em comum, de forma que ninguém passava necessidade. Voluntariamente, as pessoas davam o melhor de si, uns aos outros, e dessa forma, silenciosamente, essa estranha fé foi mais forte do que um império milenar, fazendo com que o apelo marcial, que mantinha coeso o imenso território de Roma, ruísse pelas mesmas razões da fé em que estavam fundados: o caráter espontâneo, voluntário, de suas atitudes, e o desprezo pelo ataque, pela ofensa, pela violência não defensiva e não provocada.

Ocorre que, aparentemente, voluntariedade, liberdade e discurso se misturam, hoje, numa confusão que torna difícil o que é mais importante – “um coração e uma alma”.

Lendo o texto do artigo acima, depreende-se o objetivo real e explícito de dar exposição a segmentos entre segmentos da sociedade, principalmente a inclusão de pessoas dessa ou daquela origem, cor, raça ou orientação sexual, a fim de dar diversidade aos Conselhos de Administração das empresas.

A entrevistada é uma excelente profissional, membro de diversos conselhos de administração de grandes empresas mundo afora. Portanto, está ali por capacidade e não porque é mulher, ou negra, ou homossexual, ou qualquer outra especificidade, válida ou não. Muito bom.

Minha dúvida vem no sentido contrário: o quanto de fato sabemos sobre a diversidade e quanto dessa diversidade está povoando as administrações públicas e privadas mundo afora, apenas pelo “conceito” de diversidade, em si, e não por efetivamente agregar algo, no que importa – capacidade de realizar o que é necessário.

O “sentido contrário” a que me refiro aqui diz respeito ao fato de que para mim pouquíssimo importa se uma pessoa é branca, negra, homem ou mulher, hétero ou homo, cristão ou não-cristão, no que tange à sua qualidade para orientar a tomada de decisões (ou tomá-las) na esfera dos grandes conselhos de administração mundo afora. Sempre vou privilegiar a capacidade intrínseca, em estado bruto, da pessoa que senta comigo em um Conselho ou que comigo compartilha decisões.

Nossa empresa é uma empresa fundada em valores cristãos, e como tal não pode discriminar por qualquer razão – pode, sim, e deve, deixar claro o que pensa em termos da fé que fundamenta nossos princípios de negócios, e a igualdade, verdadeira, dentro da diversidade do ser humano, sem, contudo infringir os princípios da Palavra de Deus em nossas decisões.

O tipo de confusão semântica gerada pela hiperssimplificação de termos às vezes difusos, ou difíceis de definir – como diversidade – nos leva a situações às vezes cômicas (como as discussões sobre a diversidade na matemática) ou trágicas (como a incapacidade de trabalho conjunto e proativo para debelar uma pandemia). A realidade tem importado menos do que os desejos, sensações ou estados de espírito.

Viva a diversidade, com consciência e responsabilidade!

P.S. – E viva o melhor que temos na nossa sociedade, a Mulher, em seu dia!

O Bonito é Difícil?

white statue of a man
www.unsplash.com

Lutei a infância e adolescência pra aprender a ler música e a tocar um instrumento por ela. A preguiça e a pressa não me permitiram. Toco um violão meia boca, um baixo pior ainda, tudo de ouvido, e apenas e quase só na Igreja os nas atividades dela.

Minha esposa começou aos 5 anos no piano, lê música, rege corais, cursou faculdade de música sacra e é minha fonte de inveja eterna… Foi persistente e isso dá a ela hoje um “ativo” difícil de se obter depois de velho.

Um violinista disse que odiou o violino e as partituras até que finalmente começou a não pensar mais na “técnica” e a tocar o que lhe desse na cabeça, lendo ou não a pauta, porque já não precisava dela. A técnica o escravizou, depois ele escravizou a técnica.

O mesmo vale pra leitura. Nessa área eu vou melhor um pouco. Papai, professor de Português, sempre teve centenas de livros em casa e nos incentivava a ler. E não a ler qualquer coisa. Tenho até hoje a versão d’Os Lusíadas que ele me “deu” (roubei, melhor dito), da Editora Melhoramentos de 1950 e qualquer coisa. Linda! Li Machado de Assis pra caramba e odiei (Lusíadas também). Meu maior desafio, porém, foram os Diálogos, de Platão – principalmente “A República”, que eu me lembre. Sensação de perda de tempo, de opressão mesmo. Livro vai, livro vem, fui me ajustando a uma literatura, digamos, mais cordial a mim, como Stephan Zweig, Henri Charrière, Émile Zola, entre outros “clássicos não tão clássicos”. Adorei o conceito de “série” contida na epopéia dos Rougou-Marquart, de Zola, “uma história natural e social de uma família sob o terceiro império”, que começa com a história de Naná, uma prostituta, e cuja família vira “gente fina”. Fui polindo minha leitura até que hoje, vejam vocês, vou de um lado a outro do espectro, de “coisas” como J.K. Rowling e mesmo Paulo Coelho até C.S. Lewis, Eugen Rosenstock-Huesy, entre outros.

Bonito, então, é difícil sim. Tem que ser, pois que bonito é algo que se olha de fora e se admira como algo pouco, ou muito, extraordinário. Duvido que achemos uma flor algo “simples”, uma concha perfeita como “simplória” ou um soneto de Vinícius de Moraes algo “comum”. Útil também é difícil por natureza – pois que para ter utilidade deve necessariamente se prestar a um papel diferente do de estar parado, sem uso.

Para que todo esse palavrório? Porque estamos vivendo uma época de preguiça mental e hiper-simplificação de conceitos e significados. Esses dois exemplos – a música e a literatura, e a necessidade de trabalho duro sobre ambas, a fim de dominar o básico, para daí seguir, é um chamado ao “Ordo ab Chao”, sobre o que já tenho chamado atenção aqui e acolá. A ordem sobre a tendência do ser humano de simplificar coisas além do que é possível, e a certeza, como disse Einstein, de que não se deve simplificar além do máximo possível. A vida não para de pé, a sociedade não pra de pé, a religião não para de pé, nem um motor de fusquinha “para de pé” por assim dizer, se não houver a complexidade mínima que permita às partes funcionarem.

O título do artigo poderia ser “O Bom é difícil” ou “O útil é difícil” ou muitos outros. Apenas selecionei “bonito” por ser compatível com os dois exemplos que dei. Não há música bonita sem a mínima complexidade das notas que a compõem, assim como não há literatura possível sem o mínimo de trama, de arrumação gramatical ou semântica que nos leve a ter prazer nela.

Com nossa tendência ao caos, ao “mínimo possível”, à lei do menor esforço, enfim, a tudo o que desarruma, em vez de arrumar, teremos o mesmo fim melancólico que estamos presenciando na cátedra hoje, na família, hoje, na igreja, hoje, e em todo lugar.

Há um “diabo” em sociedade que nos sopra no ouvido sempre que o “simples é melhor” – simples sim, mas não menos do que o necessário à utilidade e beleza .

Aborto Eugênico

A Gazeta do Povo de hoje traz matéria falando da eugenia (limpeza racial, à lá nazistas) promovida pelo aborto na Europa. O texto (https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/como-as-leis-do-aborto-promovem-uma-eugenia-silenciosa-na-europa/) fala de “eugenia silenciosa”, com a eliminação de fetos com síndromes, como Down, que, segundo a reportagem, teria reduzido os nascimentos de portadores de Down em 54% entre 2011 e 2015.

Freakonomics

O livro com o título acima (algo como “Economia maluca”) não tem nem muito a ver com economia nem com maluquice, mas com estatísticas. Os autores pegam variáveis aparentemente não relacionadas e chegam a algumas conclusões inusitadas, que no fundo não sabemos se podem ser consideradas científicas ou não, pois na maior parte das vezes podem ter tido efeito de “n” variáveis não controladas.

Um dos capítulos do livro correlaciona os abortos, nos EUA, à melhoria dos índices de criminalidade na cidade de Nova York, entre os anos de 1970 e 1990. de 2200 mortes nos anos 70, passou para 300 mortes nos 90. Várias explicações foram dadas, desde a atividade do então prefeito Rudy Giuliani, até a melhoria da economia, entre outros fatores. O livro (tradução livre abaixo) reproduz o “chat” entre um dos autores e um pesquisador, achando outro “culpado” e textualmente diz:

LEVITT: E lembro-me como se fosse ontem. John diz: “Sabe, eu tenho uma ideia maluca. Quer dizer, é totalmente absurdo. ” E eu disse: “Oh, o que é?” E ele disse: “Bem, acho que talvez o aborto legalizado possa ter reduzido o crime na década de 1990”. E eu disse: “Isso é tão engraçado”. E eu alcancei meu armário de arquivo, puxei uma coisa enorme e grossa e bati com ela na mesa.

DONOHUE: Sim. Está certo. Quando conversei com Steve sobre isso, como costuma ser o caso, já que ele é uma mente muito criativa, ele disse: “Ah, sim. Você sabe, eu me perguntei sobre isso. “

LEVITT: Eu disse: “Tive a mesma ideia, mas não está certa”. E ele disse: “Bem, o que você quer dizer?” E eu o conduzi através da minha lógica, e não pensei profundamente o suficiente sobre isso. E eu estava me concentrando no fato de que quando o aborto se tornou legal, houve uma redução no número de filhos nascidos. E John disse “Sim, mas e quanto a indesejabilidade?” E eu fico tipo, “O que você quer dizer com ‘indesejabilidade’?”

Freakanomics, Steven Levitt, etc al

A explicação do livro é mais ou menos a seguinte – Após a decisão da Suprema Corte Americana, chamada Roe X Wade, que admitiu o aborto, houve uma “epidemia” de abortos, chegando a 1,4 MILHÃO de abortos por vários anos, principalmente de mães solteiras, e pessoas de baixa renda, que achavam que não conseguiriam criar os filhos. a análise de causalidade vai assim – menos filhos, mais dinheiro sobrando, e com isso mais filhos “desejados”, com isso mais tempo de qualidade com os filhos, e com isso filhos mais bem educados e com isso menos criminalidade. Algo do estilo.

Pois bem. Sabe o que eu acho? Que a explicação dada pode ser essa mesmo. Se é uma explicação que me agrada, não.

Eugenia e Escravidão nos EUA

Uma outra visão do fenômeno Eugênico foi dada, e com propriedade, sobre a qualidade física, força, resiliência e altura dos negros americanos. Não existe no mundo atletas mais soberbos, corpos mais delineados, capacidade respiratória, explosão muscular e coordenação motora dos atletas negros americanos. Simplesmente imbatíveis.

A escravidão nos EUA teve esse lado de “seleção do gado”, com os senhores dos escravos colocando os homens com melhores características genéticas para reproduzirem-se com as mulheres igualmente capazes fisicamente. O resultado, de talvez séculos de “seleção” tenha sido essa força física e capacidade motora que já mencionei.

De novo, é um resultado positivo? Sim. É algo condenável? Mais ainda.

Morte em Família

Quero deixar registrado, para mim e para minha posteridade, que neste EXATO momento em que escrevo, fui agredido no meu coração por uma notícia terrível, e que de certa forma se alinha com esse artigo, ou parte dele – Meu primo irmão, Carlos Eduardo Montechiari, de 57 anos, acaba de morrer, vítima de tiros, durante assalto na frente de sua fábrica, na Penha, no Rio de Janeiro.

Essa situação que me faz chorar e lastimar pela perda do primo – de quem eu estava num processo de reaproximação, devido a morarmos longe, através do meu irmão Hirann. Meu primo foi mais uma vítima da violência de alguém que, sem consciência ou piedade, puxa um gatilho em direção a alguém para tomar-lhe, sei lá, uns trocados… A tentação é a de amaldiçoar o infeliz. A tentação é a de pedir pena de morte. A vontade é, usando Talião, matar o desgraçado. Mas Deus não permite que o meu coração se vingue dessa forma. Me falo, a mim mesmo, no meu coração – “errado está quem cria as condições para a existência dessa criminalidade. Errado está quem afrouxa a lei, solta bandido, e faz o mal parecer bem, e o bem, mal. Errado está quem faz parecer que o crime compensa.

Ao meu primo Carlos, minha singela homenagem pelos anos de convivência, e minha oração pela minha tia Neide, e minha prima Carla Andréa, que ficam sem o irmão, tão próximo da morte do pai, Tio Aluízio.

Síntese da Insanidade

A síntese parece ser – os fins justificarão os meios. Afinal, ter gente mais saudável parece justificar o aborto. E se você achar que o ser humano é só a carne que a gente vê e interage com ela, sim. Seria mais fácil.

Aliás, uma vida mais “fácil” parece ser tudo o que o ser humano moderno quer. Se me incomoda? Jogo fora. Me limita? Me livro. Me irrita? Elimino. Desde os “amigos” do Facebook que nos irritam e nós os “barramos”, até o filho na barriga, que não queremos por qualquer razão, passando pelo marido ou esposa que se tornaram incômodos, a ideia é tornar tudo mais “fácil”.

Essa impermanência, esse caráter descartável, tem sim, seus lados positivos. Obviamente é melhor viver sem ter Downs no mundo, ou gente com paralisia cerebral, ou para-tetraplégicos, ou gente de QI abaixo da média, gente com microcefalia… livremo-nos dele.

Fale isso pro pai da linda mocinha com Down, que a ama e nutre desde o ventre, e que se recusou à “vida fácil” que o aborto proporcionaria. Pergunte-lhe se ele se descartaria dela. Fale isso pro pai (aqui mesmo) cujo filho passou quase 12 anos preso a uma cama, por sequelas de sarampo, e que lutou para não ver o menino (moção de 17 anos) partir.

No final das contas, fale isso quando for confrontado com seu crime (sim, apesar de “resolver um problema”, aborto, para mim, é crime hediondo). Quando, sei lá onde, Deus te chamar para mostrar seu lindo bebê abortado, mas que Ele, na sua Graça, não esqueceu.

Enfim, com o perdão do desabafo – pois que no meio da crônica o peso da morte me atingiu como uma bigorna na cabeça – a humanidade das escolhas fáceis será oprimida por aqueles que têm a histamina e a maldade para tal. Quando os exércitos não vêm mais em forma de suástica, eles vêm em forma de “direitos humanos”, e “progressismo”. Perdão se pareço piegas, mas é assim que me sinto: impotente diante de uma sociedade que está cavando sua própria sepultura.

Viscondes negros da Rússia Czarista (ou o cancelamento da precisão histórica)

undefined
www.google.com

Assisti a duas produções muito bem feitas, do Netflix e do Starz esses dias. Duas séries muito bem escritas, cenários lindos, bons atores e atrizes, produção caprichada – Bridgerton (NetFlix) e The Great (Starz). Achei legal. Mas o que chama atenção, em ambos os casos, não é a beleza, a produção ou o enredo, mas a proposta politicamente correta…

Brigerton tem nobres, “gentry” e até membros da casa real negros. Aqui, o primeiro Alerta de Bom Senso: O Ministério da Cidadania Adverte – “Não estou fazendo QUALQUER afirmação de caráter racista. Longe de mim, de verdade, discriminar quem quer que seja, com base em qualquer coisa, seja cor da pele, credo, nacionalidade ou outra – Peço aos desavisados ou leitores “de superfície” que releiam o que escrevi!“.

Já o ótimo The Great, que tem por subtítulo “uma história (quase sempre) verdadeira sobre Catarina da Rússia“, retrata o amante da Czarina como sendo um baixinho fogoso, mas estéril, mulato, o Conde Vorosnki. Legal… É uma releitura, digamos… Não só isso, havia também nobres de origem oriental e até meio indígena, diria eu…

Entendo o aspecto da releitura dos episódios históricos, entendo perfeitamente a ironia ou mesmo o humor. Exemplos abundam, como Graham Chapman, de Monty Python interpretando Brian Cohen em a Vida de Brian. Um inglês branquelo, de olhos verdes no papel de um para-messias confundido com Jesus, já que nascera no mesmo dia – o nome já é uma bela piada, de cara… Brian, judeu levantino, sobrenome Cohen – ou “sacerdote”.

Ou ainda – e pior – uma Elizabeth Taylor, branca, de olhos liláses, no papel de Cleópatra, com um Julio Cesar igualmente branco, louro de olhos azuis, interpretado por um Richard Burton com basta cabeleira, quando Cesar era (quase) careca e romano (moreno, nariz reto, grande, cabelo preto)… São épocas diferentes, objetivos diferentes – do humor à estética ocidental mal aplicada, pura e simplesmente.

O caso aqui, bem como casos como a recente briga para saber quem interpretaria a nova Cleópatra – no caso, Gal Gadot, israelense, morena e esguia (o que já é um avanço étnico sobre Liz Taylor, diga-se). As críticas choveram à escolha de Gadot, “por não ser de origem egípcia”, mas israelense. A piada aqui é que tampouco Cleópatra era egípcia, mas Macedônica, pois que descendente de Ptolomeu, general de Alexandre, o Grande, e que ficou com o Egito quando da morte do patrão, como espólio de guerra.

Mas voltando ao tema central – seja por humor, seja por politicalha ou doutrinação, vamos perdendo a acuidade histórica por conta de imbecilidades sem fim. Shakespeare está proibido em alguns lugares, nos EUA. Abraham Lincoln está a ponto de ser “cancelado”, assim como Thomas Jefferson e outros dos “pais fundadores” da democracia americana. A razão? Tinham escravos, num tempo em que isso não era nem ilegal e nem incomum.

Por aqui, o escravagista Zumbi dos Palmares ainda reina supremo como figura de proa do movimento negro, a despeito de ter sido, ele mesmo, dono de escravos. A história, como a conhecemos, vai sendo reescritas a golpes de foice politicamente correta. Seja por imbecilidade, desconhecimento histórico ou simples desejo de apagar algo (que ocorreu, para o bem ou para o mal), vamos vendo as novas gerações incapazes de ver o que aconteceu da forma como aconteceu, independentemente de aprovarmos ou não.

A Reforma Protestante é um fato histórico, goste-se dela ou não. Católicos não a aprovarão, evangélicos sim, mas independentemente de qualquer opinião, foi um fato, e está aí. Papas tiveram dezenas de filhos, reis foram estupradores, e mesmo o quase “santo” Martin Luther King, pastor batista, com todos os seus feitos em prol dos Direitos Civis nos EUA, era chegado num sexo pago, fora de casa, e, dizem, em algumas substâncias ilícitas.

Ora, não é, nem deveria ser papel do historiador, tentar fazer da história algo palatável à sua preferência. Dos talvez 10 mil anos de vida do homo sapiens sobre a terra, 9,8 mil tenham-se passado sob regimes de escravidão, como coisa comum e corrente. Do antigo Egito até quase no século XX, houve escravos no mundo sob legalidade.

Criticar a Inglaterra por ter tido escravos, e fomentado o tráfico, é fácil. Difícil é reconhecer que William Wilberforce, junto com Willian Pitt e John Newton, conseguiram acabar com o tráfico negreiro no Reino Unido, o que logo depois foi seguido (não sem brigas) pelo resto do mundo ocidental.

O que hoje é um absurdo, há pouco mais de 100 anos era realidade legal. A escravidão ainda existe, na prática, em muitos lugares. A história que está sendo feita hoje deve retratar a triste realidade das mulheres do leste europeu, escravas sexuais de máfias do oeste da Europa, como uma tragédia, de forma correta e científica – como ocorreu! Vi essa realidade com meus próprios olhos na República Moldova, em casas-lares que nossa missão teve que erguer e manter, para abrigar os órfãos de mães vivas, as lindas moldovas, que eram cooptadas como “modelos” na Itália, Espanha e outros países, para acabarem como prostitutas e ter o passaporte preso e mortas, em caso de gravidez ou doenças sexualmente transmissíveis.

Por que cancelar Shakespeare? Por que cancelar Monteiro Lobato? Qual é a dificuldade de entender que eram simplesmente outros tempos, e que, aprendendo com eles, eliminamos diversos comportamentos absurdos? Qual a dificuldade de entender que conhecendo o passado com precisão talvez não venhamos a ser presas de comportamentos parecidos?

Será que achar que as Cleópatras eram louras de olhos liláses, ou que havia um Conde Voronski mulato no tempo da Czarina Catarina, a Grande, ou ainda que Monteiro Lobato era um maldito racista, pois que a Sinhá Nastácia não tirava férias, nos torna livres das práticas que vemos registradas ali?

O dito é que “a história é escrita pelos vencedores“. Heródoto, o pai da história, se remexeria no túmulo, creio. História deve ser mantida a todo custo, e retratar o que aconteceu, com tanta precisão quanto possível. Claro que há ângulos diferentes da mesma história – talvez por isso Deus tenha nos legado não somente um, mas quatro Evangelhos, cada um com um enfoque diferente, um do ladinho do outro, pra vermos que há formas diferentes – e não necessariamente conflitantes ou erradas – de encarar um fato observado.

Não nos cabe raspar fotografias para retirar delas nossos desafetos. Não tem honra, muito menos honestidade histórica, o sujeito ou sujeita que apaga seus posts, por terem se tornado inconvenientes à sua atual narrativa. Melhor seria dizer “eu estava errado”, “eu acreditava errado” ou ainda “eu me arrependo”, e deixar lá o maldito (ou bendito) registro do que um dia pensamos e postamos. Apagar posts, raspar fotos, ou ainda quebrar estátuas de reis anteriores são exemplos, antes de qualquer coisa, de medo. Sim, o medo de que algo venha a assombrar nossa vida atual ou atrapalhe algum plano que temos. A mim me parece que se tenho esse tipo de medo, tenho alguma intenção menos digna na cabeça.

Deixemos os cancelamentos de personalidades, ou a quebra de estátuas, raspagem de fotos e re-inscrição de textos para os medrosos e para quem tem o que esconder ou enganar. Não vamos permitir, não podemos permitir, que a acuidade histórica, que a história como ciência, seja eliminada de nossa vida.

Livros

Numa cena de Indiana Jones e a Última Cruzada, o personagem de Harrison Ford pergunta à também arqueóloga e colaboradora dos nazistas, a loura alemã Dra. Elsa Schneider: “Por que, ao invés vez de queimar livros, vocês não experimentam lê-los?“.

Bela pergunta… e que vem se repetindo desde que a Igreja Católica criou o Index Librorum Prohibitorum, em 1559, pelo Papa Paulo IV – somente revogado, pasmem, em 1966, pelo Papa Paulo VI.

www.google.com

Era o auge da contra-reforma, e o objetivo era o de banir textos que atentassem contra os dogmas da Igreja. Alguns personagens de destaque foram “agraciados” com uma menção no tal Index, como Rousseau, Descartes, Galileu, & Cia. Isso não foi exclusividade dos católicos. Luteranos e Calvinistas, o próprio Calvino à frente, também proibiram, ou tentaram proibir, o acesso das pessoas ao que eles julgavam inadequado. Acho que nós, batistas, fomos os menos afeitos a isso, o que nos deu a alcunha de “Livres Pensadores”, naquela época. A fé se adquire livremente, pelo exame de tudo (como disse o Apóstolo Paulo em I Tessalonicences, 5:21 – “Julgai todas as coisas, retende o que é bom“.

A síntese de toda a censura pode ser condensada numa palavra: MEDO. Lideranças católicas, protestantes, muçulmanas, e outras, tinha medo de que seus fiéis se “perdessem” nas firulas e intricácias de pensamento de alguns textos, e com isso, se afastassem da influência de seus líderes.

Vivi a vida toda no meio de Livros… eu os amo com paixão. Dediquei boa parte da minha vida a colecioná-los e lê-los. Não deixo entrar na minha estante nada que eu não tenha lido, usado em pesquisas, ou ambos. Tenho um Livro na cabeceira que nunca deixo sair, a Bíblia (na verdade uma coleção de livros).

Ao longo dos últimos anos passei a usar o Kindle, que me dá uma baita velocidade de leitura, mas me tira muito da retenção de detalhes, da capacidade de rabiscar (não sou muito fã, mas faço) mas me dá a possibilidade de ler da hora que acordo à hora que caio de sono, às vezes de madrugada. Estou pensando seriamente em reduzir drasticamente meu uso do Kindle – mas terei que aumentar minhas estantes, e a patroa é capaz de me jogar pra fora de casa…

Livros são tesouros. Mesmo os ruins. Afinal, de que servem apenas os bons conselhos, se os não temos os maus conselhos para fazer o tão necessário contraste “claroscuro” que nos dá capacidade de enxergar a realidade?

Por isso um texto de Madeleine Lackso, hoje, na Gazeta do Povo, me chamou atenção. Dê uma pausa, por favor, e leia, no link https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/madeleine-lacsko/movimento-quer-proibir-todos-os-livros-porque-nao-sao-politicamente-corretos/ e depois volte.

Voltou? Pois bem, minhas considerações vão na direção exatamente do MEDO. A tal hashtag “#DisruptTexts” foi criada por uns professores americanos que entendem que existe a necessidade de “purgar” as mentes e corações dos jovens de textos que eles acham inadequados. O argumento não é feito com relação à falácia de um texto ou em como ele pode “disruptar” um dogma ou ideologia. Diz respeito tão somente ao que consideram “politicamente incorreto”. Ou seja, querem informar ao leitor por que ele não deve ler Shakespeare, ou Homero, como fala a autora do artigo.

O conceito de “Espírito do Tempo”, conhecido em todas as línguas (Esprit du Temp, Zeitgeist, e trololós) foi cunhado exatamente porque há séculos o homem se depara com a leitura de textos que se baseiam em realidades diferentes das suas. Ao advertir, ou chamar o leitor para atentar para o Zeitgeist, quem escreve ou fala nos diz: “era assim que se pensava naquele tempo”…

Os romanos achavam abjeta a prática do sexo homossexual dos gregos, e chamavam o homossexualismo de “Vício Grego” (aqui, eu, eu mesmo, peço que invoquem o Zeitgeist e não me apedrejem – ainda). No entanto, os romanos de alta classe mandavam seus filhos para serem instruídos aos pés dos grandes filósofos gregos da época. Fica claro que, há mais de 2 mil anos, os romanos já conseguiam entender o conceito de Zeitgeist contido nos clássicos da literatura grega, e “perdoar” (Sic!) Homero, Ésquilo & Cia.

O próprio Shakespeare conseguiu escrever livros que o remetiam a tempos anteriores ao dele próprio, retirando a lição de vida, o entretenimento e a beleza de dentro do Zeitgeist, sem que fosse necessário purgar ou “disruptar” o que quer que fosse.

Essa nossa sociedade não consegue entender que a Cabana do Pai Tomás representa o espírito de uma época. Tom Sawyer e Huckeberry Finn, clássicos da minha infância, são considerados inadequados para que nossos filhos os leiam. Há alguém, de fora da cultura, de fora do entendimento do passar do tempo, que está nos dizendo o que ler, no que acreditar, como nos comportar, como falar. Estamos assistindo passivamente a destruição da cultura, da filosofia, e até da ciência.

Não se discute com uma equação. Ponto final. Isso foi o que aprendi. Não mais, aparentemente. Uma equação nos “faz sentir” mal ou bem. Portanto, se a realidade não se adapta ao que eu penso, dane-se a realidade. Dane-se a razão, dane-se o bom senso, viva a fogueira de livros, tocada a Readers` Digest dos anos 60, 70, 80 (hoje impossíveis de serem lidos sem o crivo dos “iluminados” do novo Index Librorum Prohibitorum.

Nunca poderia imaginar que o fim dos tempos (sim, creio que estamos perto dele) poderia acontecer não pelas mãos de um tirano de bigodinho ridículo ou um penteado mais ridículo ainda e olhinhos puxados, mas pelas mãos de professores teoricamente encarregados de nos esclarecer e ensinar a pensar.

Para quem ama livros, perdê-los é como viver escondido por ter-se recusado a receber a marca da besta.

O próprio bafo

macro photography of person wrapped with clear plastic bag
www.unsplash.com

Se tem uma coisa irritante em toda essa pandemia, não é o medo do vírus, não é o lockdown, não é a falta de restaurante aberto pra ir nem a falta dos amigos, que não podem nos visitar. É o bafo! Pior. É o NOSSO próprio bafo. Represado dentro das miseráveis máscaras, sentimos o que dantes não nos incomodava.

Bafo é algo que normalmente só irrita o alheio. Bafo é como chatura. O chato, ou o bafudo, nem se dá conta. No caso do bafo a culpa é da glândula pituitária, que “satura” e a gente nem percebe mais. O chato é igual. Eu como chato de galocha sei disso: a gente tá mais preocupado com o que nós mesmos achamos e pensamos que saímos distribuindo nossa “expertise” a torto e a direito, sem perguntar se o outro gosta ou não do que estamos falando. Adoramos ouvir o som da própria voz.

A chatura é o bafo da alma. O bafo é a chatura da boca. Mas qual é a do bafo? Sabe bem quem usa máscara. Tem que cobrir a boca e o nariz. É como aquele gesto de bafejar na mão antes de um encontro, pra ver se a moça que vamos beijar não vai desmaiar como resultado do nosso mau hálito. Coisa de tempos em que não havia Listerine. Comia-se pasta de dente e olha lá. A máscara institucionalizou a estética do hálito. Estética é algo que não costuma ser relacionada com bafo, nem com coisas do nariz, mas creia-me: depois da Covid, o próprio bafo se tornou uma questão de sobrevivência. Tem gente que não liga, que põe a máscara, sente aquele “gás mortal” entrando de volta pelas narinas e em 5 minutos já não sente mais… e segue pela vida, bafejando e sendo bafejado.

Cubro a boca e o nariz porque me mandaram cobrir. Não me convenceram totalmente de que é realmente necessário, mas faço em respeito ao meu vizinho, meus semelhantes. Isso teve o saudável efeito colateral de me informar que (e quando) estou bafudo. Dia desses me peguei em oração – “cuida da alma que o corpo já era“… Que bafo! E tratei de caçar o enxágue bucal. Aline, a patroa, não gosta de criticar o bafo alheio, mas eu peço pra ela fazer um certo controle de qualidade. Ela faz sob protesto, mas faz. De vez em quando ela fala “tá com um pouquinho de bafo” – e eu sei que estou matando urubu em pleno voo – ou estaria, não fosse a máscara.

Já a chatura, essa não tem muito jeito. Não tem uma máscara de cobrir a cara que tenha o condão de fazer a chatura voltar na nossa cara. Quem dera! Seria um aliado fantástico pra não perder amigos, negócios ou se envolver em discussões tolas. Outro dia, eu e o filho de um grande amigo expulsamos da sala de jantar o resto dos convivas, só pelo caminho que certa discussão pegou. Era “papo cabeça”. Chatura na veia! O bafo da nossa chatura afastou o povo. Não demos a mínima – como todo chato que se preza – estávamos curtindo o bafo um do outro, e nem ligamos pra quem se afastou. Coisa de chato profissional.

Estou certo de que a Covid, então, teve esse efeito colateral positivo – a redução do bafo (acho que reduziu-se o bafo percebido, claro, mas certamente o “real” também). Tem gente que nunca se importou com o próprio bafo, já que não a incomodava, mas deve estar roxa de vergonha agora, ao lembrar de momentos de cochichos e conversas próximas que de repente afastavam o outro… Só restava um fingimento do tipo “ora veja você!“… “não diga!” e um menear de cabeça pra trás, pra longe do jato de vento fedorento diante de nós.

Peço a Deus por uma Covid da alma – entendam-me – não quero um vírus pra alma (tem gente que é literal e não interpreta texto muito bem…): falo de algo que devolva na nossa cara o odor fétido da nossa chatice – aliás, chatice, chatura, chateza, chateação… leiam como quiserem (não sejam chatos vocês também!). Quisera eu receber na cara uma lambada de chatice fedorenta de volta, cada vez que começasse a chatear o alheio.

Chato assumido que sou, embora com a melhor das intenções, descobri que um bom disfarce pra chatura é o humor. Você disfarça sua vontade de jogar indiscriminadamente pros outros suas ideias, exatamente como o chato. Mas sob forma de humor se torna um pouco mais palatável (ou cheirável). Humor é o Listerine do chato.

Frases

white and black cards on clear glass
www.unsplash.com.

Frases são pílulas. Poucas palavras, bem arrumadinhas, mais ou menos pensadas, podem ter um impacto devastador ou abençoador. Frases contém em poucas palavras muitos conceitos, que podem destruir ou construir.

O problema com as frases é que elas são pequenas, compactas e potentes como uma injeção intravenosa, ou uma pílula potente. Podem matar ou curar. Frases são o recurso tanto do pensador, sábio, ou do incendiário, destruidor. Mas frases nunca são o recurso do “morno”, do cara do meio da fila, do mais ou menos. Frases nos levam a “completar as lacunas” com nossas próprias ideias, de onde quer que elas venham.

Uma frase é um gancho. Nos dá “pêga” como se dizia antes da reforma ortográfica (Sic!) e nos leva numa ou noutra direção. Frases são anzóis, que nos fisgam, ou não, como diria Caetano…

Frases Sabedoria

Algumas frases contém muita sabedoria em poucas palavras ou linhas:

“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. ”

Paulo, o Apóstolo, em I Coríntios 13:1

Frases de sabedoria teriam mesmo que começar com uma citação da bíblia. Esta é uma daquelas frases que ninguém, de qualquer religião (ou até sem ela), cultura ou língua poderia dizer que não é preciosa, se é que a pessoa tenha algo de moral e razão na cabeça. Essa é daquelas que marcam e que servem a tantos momentos, e nos ajudam e dão norte na vida. Ter amor é fundamental, e com amor é possível extrair significado da vida.

Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.

Os “Pais Fundadores” no Preâmbulo da Declaração de Independência dos EUA

Apesar de haver um grande movimento contra a base mesma do pensamento que ordenou e conduziu a Revolução Americana, não dá para não se embasbacar com conceitos como por exemplo, o direito à busca da felicidade.

Quem faz errado, faz duas vezes…”

Armindo Constantino Montechiari, meu avô materno

“Seu Careca” como era chamado, tinha pouquíssima educação e lia muito porque lia a Bíblia sempre. Quase que exclusivamente Ela. Essa sua citação persegue a nós, nesta família Montechiari, de uma forma terrível. Sempre é a mesma coisa: fazemos algo “provisório” ou “matado” ou com preguiça, apenas e tão somente para nos deparar com a cara rosada do Velho Careca a nos dizer “eu te disse… quem faz errado…”…

Frases Nonsense

Existem frases que não significam nada, ou muito pouco. Algumas delas são clássicos que estão no imaginário popular como “pérolas de sabedoria”. Vou citar somente uma, sabendo que vou apanhar bastante por citá-la, por ser a predileta de muita gente. Essa frase voltou à tona no Facebook recentemente:

“Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativou”

Antoine de Saint-Éxupery in Pequeno Príncipe

Não sei se vocês são como eu, que paro e penso no que raios algo realmente significa. Essa frase me chama atenção por não me dizer muita coisa do ponto de vista prático. Eu sempre fico de frente pra essas frases-esfinge (decifra-me eu te devoro) e me pergunto – o que o cara quis dizer com isso? Ora, sim. Por que eu me torno responsável? Que tipo de “cativeiro” eu provoquei? Uma amizade imorredoura? Se sim, por que me tornei responsável pelo bem estar ou qualquer outro aspecto da vida de alguém que desejou, voluntariamente, ser meu amigo para sempre?

Tenho pessoas que se dizem meus melhores amigos. Algumas dizem isso há anos e acredito piamente. Outras disseram isso enquanto estavam tirando o máximo de proveito de minha amizade – a que dediquei a ela – e rapando o tacho das coisas que podia obter de mim, em nome dessa amizade. Então alguém me responda, de forma cabal: o QUE o estimado Pètit-Prince quis dizer. Estou escravizado por alguém ter se escravizado (cativado) a mim? Não sei.

Este tipo de frase é bastante difundida, e soa bem. Às vezes só isso. Mas estou aberto a ser introduzido aos augustos mistérios de frases similares.

Frases Veneno

Existem frases, contudo, que são como pílulas de veneno. Quem reconhece o veneno fica possesso de raiva, sabendo que muitos engolirão as frases sem fazer qualquer análise crítica delas. Alguns exemplos vão parecer chocar ou querer parecer politicamente carregadas, mas tentarei não ser tão abertamente conservador (o que sou).

“Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”

Paulo Freire – Aqui uma frase muito cara ao coração de professores, principalmente de esquerda. Qual é a relação entre o aprendizado (neste caso, em idade tenra) do bê-a-bá com o contexto social, o lucro com a uva, ou se Eva só viu a uva ou se vendeu a uva? Que razão existe por trás dessa frase sem sentido algum, exceto o estímulo a que o educador fuja de seu compromisso básico com o bê-a-bá, em si uma tarefa coberta de honra e de glória, para dedicar-se a encher a cabeça dos pequenos com considerações que deveriam ser feitas para pessoas com condições de percebê-las?

Frases Piada

Ainda outras frases parecem piada, mas têm um fundo de verdade extraordinário. Essas são tantas e tão legais que não tem como não citar umas duas.

“De onde menos se espera… é de onde não sai nada, mesmo”

Aparício Torelly, o “Barão de Itararé”.

O genial jornalista e escritor me sai com essa aí. O genial é que é absolutamente correta, na maioria das vezes: pode ter certeza. Olhou para uma coisa e acha que não vale um tostão furado, normalmente não vale mesmo… É válida para “intelectuais”, para alguns cientistas, mas aplica-se com maior validade a políticos e juízes…

A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorretamente e aplicar as piores soluções.

Groucho Marx

Taí um que eu admiro! Igual a esse ainda vai demorar a nascer. Groucho era um gênio por encapsular em poucas palavras o que achamos, e ser muito correto sobre o tema. No caso acima, de fato ninguém como um político para achar problema onde não existe, diagnosticar incorretamente e aplicar as piores soluções possíveis! É incrível como passam o dia “devarde” (como dizem os paranaenses) caçando um problema que não existe pra dar uma solução que ninguém quer, que não resolve nada e que vai certamente tornar a vida do cidadão pior, mais penosa ou mais cara.

Em síntese, frases, essas pílulas, são venenos, sabedoria, ironia, idiotice ou gargalhada enlatada para consumo rápido. A cultura dos memes de hoje em dia criou uma situação em que quase qualquer um é um frasista, e o resultado é uma diarreia de conceitos mal usados, e uma prisão de ventre de ideias verdadeiras…

Fico com o humor…

Kaos e Controle

Maxwell Smart | Get Smart Wiki | Fandom
www.google.com

Quem tem pelo menos 45 anos lembra bem da figura acima. É o trapalhão Maxwell Smart, do “Agente 86” (em inglês “Get Smart” ou “Fique esperto”). Steve Carell fez um bom trabalho no filme “remake” do pastelão dos anos 60 e 70. Trata-se de um cretino sortudo que por sabe-se lá que meios, se tornou agente de uma rede de espionagem americana à lá Cia, chamada “C.O.N.T.R.O.L.”. Era o auge da guerra fria, e a TV americana fazia piada com a situação. Do outro lado do “Controle” estava a organização (provavelmente da então Alemanha Oriental) chamada “K.A.O.S.”. Outro panaca, o agente Siegfried “Sig”, com planos mirabolantes para destruir o ocidente e implantar um regime ditatorial baseado no “Kaos”.

A quem não viu, recomendo ver, porque é um microcosmo satírico de algo que estamos prestes a viver de novo – talvez não tão engraçado. Estamos diante do ressurgimento de uma contraposição cada vez mais forte do Caos ao Controle.

Tudo está sendo feito no sentido de, desta vez, colocar os espiões não como “invasores” dentro do Ocidente, mas ter aqui gente nascida e criada debaixo da liberdade e padrão de vida ocidental, somente que fervorosos e fieis adeptos de uma ideologia que não conhecem bem mas que nós sabemos o que quer e no que vai dar. As Venezuelas, Cubas e Coreias do Norte da vida não são suficientes para desencorajar esse “amor” por esta causa que está cada dia mais próxima de nós e mais “raivosa”.

Os autores da série de TV tiveram sacadas ótimas com os nomes, pois é disso mesmo que se tratava antes, e se trata agora – Criar o K.A.O.S. a fim de assumir o C.O.N.T.R.O.L…, e do lado do ocidente, manter o C.O.N.T.R.O.L…a fim de evitar o K.A.O.S.. A coisa tá de volta com força total… só que em vez de governos atrás da Cortina de Ferro, temos agentes do K.A.O.S. infiltrados entre nós, trabalhando dia a dia por um caos que lhes beneficie, em última análise. Tudo isso travestido de “amor” e “carinho” pelo ser humano.

Até a palavra Controle assumiu significados novos. No meu tempo moleque, os pais lutavam pra que a gente fosse independente e assumisse o Controle, pra não cair no Caos. Isso significava pôr ordem sobre a própria vida e a busca incessante por fazer o que é certo. Arrumar a cama todo dia e pagar as contas em dia e assumir responsabilidades pelos seus – pais e filhos. Hoje, Controle é palavrão, em muitos meios.

Max Smart tinha um telefone no sapato, um celular fora de época, muito eficiente – mas tinha que tirar do pé, e depois recolocar. Um K.A.O.S.. no Controle. Era uma piada, mas é o que às vezes queremos fazer. Criamos uma situação complicada pra resolver um problema mais simples do que a solução mesma. Hoje fazemos o mesmo: soluções que políticos dão às coisas parecem um celular no sapato. Até funciona – se você estiver disposto a baixar, tirar o sapato, virar uma chave no salto, colocar o ouvido na sola, discar, depois recolocar tudo no lugar e ainda ter que cheirar o próprio chulé.

Fazem parte desse tipo de solução a taxação das grandes fortunas, a CLT, o emaranhado tributário atual, as saidinhas de fim de ano pra presidiários, as ações dos partidos junto ao STF, e mais um caminhão de leis tão bem intencionadas quanto o sapato-telefone do Agente 86. E nós cheirando chulé para falar.

Além das soluções tipo “sapato-telefone”, tem o Caos que é criado propositalmente para dar a falsa sensação de que o “Grande Irmão – Governo” está cuidando de todos. São as soluções que cabem numa frase curta e apelativa, mas cujos resultados são espantosamente ruins e de difícil explicação. Cada frase do tipo “meu corpo, minhas regras“, “viva a redistribuição de renda“, “por uma política de quotas para negros, gays, mulheres, etc“, entre outras, contêm venenos terríveis, de efeitos nocivos, mas não imediatos, sobre a vida de todos nós. Só que pra rebater cada uma dessas frases com racionalidade, gastamos tanto tempo que perdemos a atenção do interlocutor, que prefere a solução simples da frase feita.

Segundo os agentes do K.A.O.S., Controle é ruim, pois que ele no fundo emana de cada um de nós. É o conjunto de nossos controles individuais diários, nas pequenas ações, e é da nossa independência intelectual, financeira e moral que obtemos o Controle que nos leva a precisar menos e menos da burocracia estatal. Não queremos e não devemos nos submeter a governo algum, exceto no sentido de que o governo deva ser empregado e não patrão de todos nós.

Eu quero Controle. Deixe o K.A.O.S. pro Sig…

A idade certa

woman sitting on bed with flying books
Photo by unsplash.com

É um mundo muito estranho:

  • Para votar, 16 anos;
  • Para responder por crimes, 18 anos;
  • Para beber, 18 anos;
  • Para trocar de sexo, 13 anos;
  • Para fazer sexo, 14 anos;

É um mundo que dá o direito aos pais de trocarem o sexo dos filhos aos 4 anos de idade e nega aos pais uma boa palmada de amor no bumbum por ter feito algo errado. É um mundo que não permite que um marmanjo de 16 anos seja julgado por ter matado um pai de família, por ser “criança” mas permite que alguém de 12 anos possa começar a tomar hormônios para inibir puberdade.

Pior e mais trágico ainda – neste mundo (que há 30 anos pareceria um episódio de “Twilight Zone”), quem tem menos de 18 anos está proibido de trabalhar, salvo em situações tão específicas que é difícil, quase impossível, conseguir colocação. Pais que são profissionais em certo ofício, como marceneiros, pecuaristas, açougueiros ou outras profissões, estão literalmente impedidos de ensinar aos filhos o seu ofício. O que até 50 anos atrás era basicamente a regra, hoje não existe mais, quase que nem como exceção.

É de uma tristeza abjeta viver neste mundo. A Greta é exaltada por matar aula para supostamente “salvar o planeta” (mesmo sem saber bem o que está fazendo, e falando através de ventríloquos), viaja o mundo cercada de câmeras e exaltação ao seu “trabalho”. O Joãozinho, porém, teve o pai com sérios problemas com o juizado da infância e juventude porque o filho ajuda na lojinha da família depois das aulas.

A inversão dos valores originais, civilizacionais, como o trabalho, honestidade, adiamento de recompensas, honra aos pais, responsabilização pelos próprios atos e coisas do estilo, está tão entranhada na nossa sociedade que já achamos estranho ver uma criança atendendo no balcão da farmácia da família (coisa que na minha família era considerada honra para os pais, que os clientes vissem um filho ou filha tão responsável…).

Onde mais nossa ignorância da realidade da vida vai nos levar? Para onde uma geração fraca e “mimizenta” vai conduzir o mundo? Que estofo moral os nossos jovens terão, quando convocados a repelir o próximo Hitler, o próximo Stalin ou Mao?

São boas perguntas, e que certamente vão me dar muita dor de cabeça, muitos dislikes e muito xingamento. Que comece o jogo…