Li outro dia um post de um advogado, que me parece bem interessante. Não concordo com tudo o que está ali, mas no que tange a alguns aspectos constitucionais, sou forçado a concordar.
Direito de Ir e Vir
A Constituição preconiza a “liberdade de ir e vir” (artigo 5º, XV, da CF). Já o artigo 5º, II, da mesma Constituição diz que existem as “obrigações de fazer ou deixar de fazer determinado comportamento “somente em virtude da Lei”. Grandes conquistas. Como não sou advogado, mas contador e perito em causas judiciais aqui e ali, tenho que ir buscar conselho em quem entende (neste caso https://www.conjur.com.br/2020-abr-12/ricardo-marques-covid-19-nao-direitos#sdfootnote1sym).
O autor deste artigo é enfático em dizer que:
“Chamou a minha atenção o fato de o presidente da República Jair Messias Bolsonaro, nessa sexta-feira da paixão, passear pelas ruas da capital federal, sendo massivamente criticado pela imprensa, que o classificou como delinquente social e irresponsável[2], diante das regras de governadores de estados que limitam a liberdade das pessoas e a atividade econômica. Mas, apesar da crítica ferrenha, outro fato despertou a minha atenção a frase do presidente: “Ninguém vai cercear meu direito de ir e vir”. …“sua frase e, mais do que ela, seu direito, sob o ponto de vista jurídico’… ‘se ampara na tradição jurídica secular, da Carta Magna de João Sem Terra, às Revoluções Francesa e Americana.”
E aí? Que direito têm então, sem quebrar a Constituição, governadores e prefeitos de mandar fechar uma loja, prender o dono, mandar todo mundo ficar em casa sem exceção?
Ah, mas a Lei da Quarentena não prevê isso? Não. Prevê o isolamento somente de quem estiver contagiado (pessoas, bagagens, cargas, etc). “Ah…” – dirá você – “mas como é que vamos saber quem está contagiado ou não?”. Você pode argumentar que deveria haver medida mais dura na Lei. Existe, mas obviamente os políticos e o STF jamais daria essa moleza ao Bolsonaro – afinal, Estado de Sítio e Estado de Calamidade Pública, com o aumento de poderes presidenciais e dos militares, o que não interessa a ninguém do establishment político-jurídico (e aqui, sem crítica a esses poderes, e também sem preferência pelo executivo).
De quem são os espaços públicos?
A questão mais direta aqui lida com a “praia”. Esta é federal, faixa de marinha, sendo impossível, inclusive, construir nela sem expressa autorização. No Brasil, ao contrário de muitos países, não existe “praia particular”, exceto se por alguma “sorte” do dono do local, um acidente geográfico impeça a entrada normal de pessoas – mesmo assim tem que haver uma “servidão” (passagem).
Como é que se arvoram em prender gente na praia os governadores de alguns estados?
Qual é a questão
Não se trata de ser contra o isolamento, ou ser contra o lockdown. Nada disso. Trata-se apenas e tão somente de saber que limites existem. A questão fundamental é que evitar lockdown é apenas uma forma de manter a constituição, enquanto esta não for mudada. Infelizmente estamos fazendo, todos, parte de um grande experimento social, que pode até não “visar” eliminar liberdades, mas certamente dão a pista de como a sociedade vai responder em caso de uma ameaça real às liberdades individuais.
A Suécia disse algo mais ou menos parecido, para justificar o fato de que não iria colocar todo mundo trancado em casa, preferindo apelar para o bom senso da população, o que funcionou, em boa medida. E mesmo que tiver funcionado em escala menor do que em outros países, pelo menos não serviu pra criar uma determinada ruptura constitucional. Bom, cada país com suas leis, e em alguns casos, como nos EUA, é possível, por haver uma constituição mais enxuta e mais poder ao executivo.
Em suma, acima apenas dois problemas para os quais a mídia não deu nenhuma atenção, e que, gostemos ou não, tornam a posição do executivo mais entendível. Ao delegar aos estados, de forma monocrática, a responsabilidade pelas medidas de combate ao COVID-19, o STF criou ainda mais complicação jurídica numa seara já nebulosa. Ao tomarem as medidas que estão tomando, os governadores e prefeitos estão sendo frontalmente contrários à constituição. Se as medidas são boas e apropriadas ou não, não vem ao caso aqui (até acho que em boa medida o são).
Um STF minimamente alinhado com a Constituição teria dado indicações mais claras e ajudado a resolver um problema de segurança jurídica. Bolsonaro estará certo se sair pela tangente dizendo que “a responsabilidade foi assumida pelos governadores”…