Terremoto Econômico e o Bai Lan

Estamos diante do maior terremoto nas estruturas econômicas do mundo, talvez desde os choques do petróleo nos anos 70. A percepção que tenho captado, de clientes, colegas e players do mercado, é a de que não faltará fonte de tensão e problema, até que a coisa chegue a um equilíbrio e se torne mais conhecida dos mercados.

Mercados, por definição, odeiam imprevisibilidade. Mais do que odeiam a crise em si. Se há crise, mas há uma ideia clara de onde a crise nos leva, o mercado adapta-se e reage de acordo. Já na incerteza, não há o que fazer. É diante disso que estamos agora.

Trump mexeu com as estruturas do capitalismo mundial, ao propor as tais tarifas recíprocas, e as “mínimas”. Neste pormenor, o Brasil e boa parte da América Latina se livrou do pior, com uma taxação de 10% (ainda a ser mais bem entendida) e já chiou, mesmo assim. A razão de termos nos livrado de tarifas maiores, mesmo sendo um dos países mais protecionistas do mundo, advém de um só fator.

Irrelevância

Sim, escapamos do pior por sermos irrelevantes para os EUA. Aliás, ao lado do epíteto de “Anão Diplomático” este é o que talvez mais mal interior me causa. Quem diria que uma nação que tem o que temos, pode ser mais irrelevante, em termos de mídia, corrente de comércio, patentes, startups, etc, do que nós?

El Salvador é mais relevante do que nós. Irã é mais relevante do que nós. Irlanda, Nova Zelândia e outros países que teriam, numa ordem natural mais “cartesiana’, zero relevância comparativamente conosco. Mas irrelevantes somos e, pior, nos achamos muita coisa, num mundo que nos ignora.

E por que somos anões diplomáticos, anões econômicos, anões midiáticos? Porque não produzimos quase nada que valha a pena ser observado. Temos uma sociedade sufocada por tributos e criminalidade. Temos pseudo instituições, que o mundo acertadamente ignora. Temos, enfim, um governo que toda basicamente todas as decisões erradas – e não é só esse. O executivo brasileiro, há décadas, prima pelo erro. Aprimora o jeito de errar. Identifica o problema erradamente, obtém as piores soluções possíveis e as executa com primor.

Nova Fase Global

Pra não falar “nova era”, que não é uma expressão do meu agrado, estamos diante de uma ordem mundial que se altera por canetada. Acertadamente ou não, isso vai gerar, e enquanto escrevo, já gerou, uma reação forte de alguns países, a China entre eles. O gigante comunista do leste acaba de anunciar uma tarifa “reacionária” de 34% sobre as exportações americanas. Isso se contrapõe à tarifa igual, imposta pelos EUA esta semana. Pau que dá em Chico, dá em Francisco, ok? Mais ou menos.

Com uma balança comercial altamente deficitária em relação à China, parece que reagir em igual medida cumpre apenas um papel de estimular o mundo a tomar medidas parecidas contra os EUA, enfraquecendo, por consequência, sua posição adotada recentemente.

Funcionará? Para a China, provavelmente não. E para o Brasil? Possivelmente sim, pois que somos um dos poucos países com os quais os EUA mantêm algum superávit comercial.

J.D. Vance, o vice presidente americano, em entrevista à Heritage Foundation recentemente, argumentou a favor das tarifas da seguinte forma (minhas palavras, ou o que entendi delas): “ora, não é possível os EUA financiarem o comércio mundial com base na contratação de déficits crescentes. Nós financiamos o camponês da China, na fabricação de produtos para exportar para nós, e pagamos com dinheiro de empréstimos feitos a nós, em parte, por esse mesmo camponês chinês”.

Faz sentido continuar um processo de endividamento contínuo, crescente e sufocante, para que outros países tenham facilidade de exportar? Acho que não. O déficit americano nem é devido a um governo maior do que a média dos governos europeus, chinês ou russo. No caso brasileiro, o custo do nosso governo em relação ao PIB é 50%, se é que alguma estatística decente pode ser feita neste sentido. Nos EUA, é 35%. Mas vejam o que o estado americano carrega de gastos feitos a fim de tornar o mundo um lugar minimamente seguro, para os outros – sim, mandar no mundo tem um preço, e os EUA se deram conta de que: a)pagam a parte do leão; b)já não tocam o “apito” que tocavam em quase todo pós guerra.

A ONU é um exemplo, a OTAN, outro. Na ONU, vê-se os EUA apitarem cada vez menos. Países cuja contribuição para a organização é ínfima, mandam em áreas como Direitos Humanos (Irã, Egito, outros). Na OTAN, os EUA bancam quase todo o orçamento, apenas para manter a Europa em relativa segurança (pode-se argumentar que não é bem assim, claro), enquanto os europeus brincam de estado de bem-estar social com parte da grana que deveria estar sendo aplicada em defesa. É isso que Trump percebeu e que tenta remediar.

Bai Lan

Da forma certa? Remedia com bom senso? Acho que não. Não gosto de histrionismo, e de medidas pirotécnicas. Mas é o estilo do cara. Burro, ele não é. Cercou-se de excelentes pessoas. É como Bolsonaro fez aqui no seu governo – teve um “dream team” de ministros, mas continuou falando bobagem. E como o que se fala muitas vezes tem mais repercussão do que o que se faz, ele foi julgado por boquirroto.

 Até o tolo, quando se cala, será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios, por sábio.

Provérbios 7:28

Boquirroto, apesar de ter feito o que reputo por um excelente governo, Bolsonaro foi, principalmente dadas as circunstâncias, Covid, Ucrânia, etc. Lula agora terá a chance de provar que não é bom piloto somente no sol. Com a tempestade que ameaça se abater sobre todos nós, vamos ver se ele é ou não o governante que, na minha opinião, mais atrapalhou do que ajudou o país, num dos períodos mais ensolarados da história do mundo.

A tempestade poderá alinhar o mundo. A China mete medo, principalmente por estar alinhada fortemente com a Rússia, cujo ditador, a exemplo do nosso presidente, não tem sucessor. Não se sabe se, em alguns anos, quem estará no leme daquele país. A China, por todo o seu desastre humanitário, ainda tem mais previsibilidade de transição de governos, aparentemente. Não é o que o especialista em oriente, o holandês Frank Dikötter, disse no programa “Uncommon Knowledge” há uns dias. Na visão dele, a China é uma estátua com pés de barro. E a razão, segundo ele, vem de uma “revolução silenciosa” que existe naquele país, que os locais apelidaram de “Bai Lan”, literalmente “Deixe apodrecer”. É uma resposta do chinês comum totalmente diferente de tudo o que se viu antes: o chinês que sempre trabalhou 12 horas por dia, começa a dizer: para quê? Vou deixar que tudo se exploda.

É algo que o Partido Comunista daquele país morre de medo, porque é o exemplo mais acabado de revolução sem armas, e que mata, e não apenas aleija, uma nação. No fundo, boa parte do nosso país vive assim. Cuidar do próximo? Que se exploda… patriotismo? que se exploda… honestidade? que apodreça.

É uma atitude derivada da desesperança. E a desesperança destrói governos mais do que qualquer outra força.

A tempestade de Trump pode desencadear uma onda de protecionismo (creio que vai), que vai desencadear um empobrecimento geral no mundo, que vai gerar uma atitude de descontentamento geral que pode desaguar (creio que vai) num Bai Lan mundial.

E de Bai Lan, o Brasil entende…

P.S. a Imagem deste artigo foi gerada por Flux, a partir de uma query minha chamada “Bai Lan – apodrecimento”, via Adapta.org. Achei o máximo…

Selic acima de qualquer retorno possível – a Saga da Inflação

A recente elevação da Taxa Selic, pelo Banco Central, para 14,25% acena para dois fatores. Um, surpreendentemente bom, e outro que remete a um cheiro de naftalina que eu julgava que estava num passado definitivamente morto e enterrado.

É positivo

O novo presidente do Bacen, contra minhas piores dúvidas, se revelou mais técnico do que político, e elevou a taxa Selic, num reconhecimento de que o aquecimento (artificial) da economia brasileira aponta para mais inflação, o que leva à necessidade de juros altos para desaquecer os ânimos.

É positivo, num contexto extremamente negativo, em que a economia cresce por uma demanda turbinada a gastos públicos descontrolados e “bolsas”.

Mais recentemente, o tão necessário aumento no limite de isenção do IR para o cidadão que ganha até R$ 5.000 vem no pior momento possível, e sendo contrabalanceado com uma medida que certamente desagradará a todo mundo (eu incluso) e que certamente terá efeitos colaterais que este governo não sabe precisar: evasão, por um lado e “criatividade” por outro.

É negativo

É negativo, é claro, porque juros nas alturas, ainda mais pelas razões que temos diante de nós, só pode ser considerado uma insanidade. A razão, obviamente, está fundamentada e explicada pelo aumento vertiginoso de gastos públicos, descontrole sobre estatais e burrices sobre burrices de condução da máquina pública que atende pelo nome de populismo social. Um populismo diferente do anterior, que denomino populismo “de gogó”. É negativo, ainda, pela qualidade dos gastos públicos. Tira-se gasto de áreas produtivas ou indutoras de produtividade, como Embrapa e outras, e coloca-se em ações para agradar “movimentos sociais”, cujos resultados são pra lá de incertos, se é que desejáveis.

É negativo porque é uma corrida contra o tempo para tentar não estourar o orçamento. Mais ou menos uma família que contrata despesas no cartão de crédito e depois sai atrás de aumentos de salário. Improvável, e de consequências possivelmente funestas.

Preço dos Ativos

Por volta da virada do milênio, a jornalista de economia e amiga, Mirian Gasparin, me perguntou em entrevista por que a Sanepar (à época planejava-se privatizar) tinha um valor de mercado tão baixo (francamente, nem lembro quanto era). A resposta que dei se baseou justamente na Selic da época: 45%, máxima histórica, durante os anos FHC. Que retorno sobre investimento resiste a uma comparação com uma Selic dessas?

O valor dos ativos deve ser sempre comparado com um “custo de oportunidade”. A oposição da época (o governo de hoje) estrilou barbaridade contra a privatização como “espoliação do povo brasileiro”. A Sanepar não foi privatizada, na minha visão corretamente, à época. Não porque privatização seja coisa ruim – eu acho que governo tem que cuidar de de saúde, educação, segurança pública e defesa, mas porque, como qualquer bom gestor, espera-se o melhor momento, a melhor janela, o melhor preço, para vender um ativo.

O termo “WACC” ou “CMPC” (Custo Médio Ponderado de Capital, em Português) refere-se à média do custo de capital próprio e de terceiros. Ora, se o custo do capital de terceiro ancorava-se em uma taxa básica de 45% em 1999, hoje ancora-se em não menos absurdos 14,25%. Isso, obviamente, deve ser comparado com a inflação da época: 20,12% (total de 1999) contra algo entre 5 e 6% esperados para 2025.

O tempo passa, o tempo voa, e a tal da irresponsabilidade fiscal continua numa boa… Créditos a FHC, pelo menos nesse caso, convivendo com uma economia que, claro, que vinha de uma hiperinflação, somente 4 anos antes, e tentava domesticar expectativas de que o Real fosse sucumbir, como sucumbiram o cruzado, cruzeiro, cruzeiro real, etc.

O site www.infomoney.com.br de hoje pergunta – que ativos ainda rendem acima da Selic de 14,25%? Poucos Quase nenhum. E não é por falta de eficiência ou trabalho, mas por excesso de taxa.

Os valuations certamente demonstram decréscimos cada vez que o custo de oportunidade aumenta (Selic aqui, juros nos EUA, Europa, etc, lá fora) que vai fazer com que a competitividade do preço dos ativos listados em bolsa (e fora dela, por decorrência) vire pó.

Conclusão

A conclusão não poderia ser menos animadora: falamos de um governo que vai na contramão da história econômica recente, não somente aqui, mas em diversos países. Mais do que isso, não o faz por desconhecer a doutrina econômica que funciona, mas por desejo evidente de contrariá-la, já que em o fazendo obtém o resultado desejado: uma população crescentemente dependente de bolsas; os que não fogem do país, claro.

Ontem, um amigo/sócio nosso de origem coreana deu o tom da história: eram 30 mil coreanos no Brasil até a pandemia. De lá pra cá, 20 mil saíram do país pra tentar a sorte em outros lados. Industriosos e inteligentes, os coreanos, com recursos suficientes para migrar, vazaram e nos deixaram pelos motivos óbvios: apontamos na direção errada, em relação ao resto do mundo.

O êxodo será proporcional ao descalabro. Deus nos acuda!

Condicionantes de Balanço Patrimonial para fins de Fluxo de Caixa Descontado

O tema aqui é técnico e um tanto mais árido do que meus textos regulares. Peço que me desculpem os eventuais leitores.

Por que projetar Balanços em DCF?

O mundo do “valuation” é composto de milhares de formatos diferentes, quase todos baseados em conceitos de Fluxo de Caixa Descontado (Discounted Cash Flow ou DCF), e em quase todos os casos, os modelos, desde que matematicamente precisos, levam a resultados parecidos, “ceteris paribus” (mantendo-se as variáveis iguais em cada caso).

De forma geral, as projeções derivam simplesmente uma Demonstração de Resultados (DRE) e seu resultado intermediário, o EBITDA (Geração Bruta de Caixa), da qual são derivados os Fluxos de Caixa Livre, ao Patrimônio, e aos Acionistas (FCFF e FCFE, respectivamente Free Cash Flow to Firm e to Equity).

A simples projeção de uma DRE e seu resultante FCF, mais o denominado CAPEX (Gastos de Capital, tangível e intangível) dão as variáveis necessárias para cálculo do FCF. Necessárias, mas, suficientes?

Projeções de Balanço

No mundo que muitas vezes é de “faz de conta”, do Valuation, um modelo adequado e matematicamente coerente pode não ser suficiente. A razão principal deriva da falha dos modeleiros em projetar as variáveis que perfazem as variáveis de Balanço.

Já lá atrás, consultando o que já foi a “bíblia” do Valuation, de Tom Copeland, et al (publicado pela Wiley and Sons em várias edições, inclusive em português), vemos que eles já se preocupavam em projetar não somente os fluxos de fundos, mas o Balanço Patrimonial. A razão é simples de entender, embora implique em diversas dificuldades para o avaliador, que, com base na famosa Lei do Menor Esforço, costuma não criar as projeções de balanço.

Uma empresa “madura” possui algumas variáveis que são proporcionais ao incremento ou redução de sua atividade (faturamento) mas que de forma geral se mantêm ao longo de diversos períodos. Assim, é razoavelmente confortável projetar premissas de variação de itens de balanço como Contas a Receber e a Pagar de forma segura via “dias” de atividade (por exemplo, 30 dias, em média, de contas a receber, 35 dias em média de contas a pagar, entre outros).

Com a aplicação dessas variáveis, é relativamente simples projetar boa parte do Balanço Patrimonial.

Ativos Fixos, tangíveis e intangíveis, possuem regras específicas de depreciação, aquisição de novos itens (CAPEX) entre outros. cuja projeção também é razoavelmente segura, desde que as premissas de CAPEX estejam bem fundamentadas, e a depreciação calculada de forma correta, pelos métodos mais modernos exarados do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), convergentes com o IFRS.

Investimentos deveriam sofrer uma avaliação à parte, contendo as premissas específicas das investidas, dentro dos mesmos padrões técnicos aqui tratados.

O Patrimônio Líquido é, para todos os fins práticos, uma decorrência da Demonstração de Resultados e eventos contábeis mais específicos, como Capitalização Mínima (“thin capitalization”), reservas legais etc.

Resta o mais complexo, que são os ativos líquidos e passivos onerosos.

Pontos de Ruptura e Outras Considerações

Uma vez feitas todas as projeções cuja lógica derivam exclusivamente das operações, resta projetar os efeitos financeiros, que impactam diretamente sobre a Necessidade de Capital de Giro.

Normalmente os modelos deveriam visar a maior assertividade possível no que tange às classes de ativos e passivos, e sua lógica de acumulação e liquidação.

1 – Ativos Líquidos – Caixa e Equivalentes

O Caixa Operacional pode ser estimado como sendo uma quantidade em dias de caixa, mínimos, para sobrevivência da operação, de forma bastante corriqueira, e normalmente baseado no histórico da empresa.

Já o que daí excede, deveria ser considerado como “excesso de caixa”, e segregado para fins de avaliação. Os modelos mais sofisticados normalmente “fecham” a equação entre ativo e passivo nesta linha do ativo (vide abaixo o fechamento do passivo/PL).

O excesso de caixa deve existir apenas e tão somente quando todas as necessidades de desembolso forem satisfeitas, dentro de suas regras próprias. Mais adiante trataremos deste aspecto.

2 – Passivos Onerosos

Do lado do passivo, os denominados “onerosos” são aqueles que normalmente estão sujeitos a juros. Aqui devem ser incluídos todos e quaisquer passivos que escapem da regra de pagamento regular das operações da empresa. Assim, um tributo parcelado deve ser encarado como um passivo oneroso, porque sai da regra específica de pagamento do mesmo.

2.1 – Passivos Onerosos Determinados

Chamamos assim os passivos onerosos cuja regra é conhecida a priori e cuja liquidação antecipada não seja possível ou conveniente. Incluem-se nesta categoria passivos como empréstimos de longo prazo ou com entidades oficiais (Finame, Pronampe, etc) ou mesmo os já mencionados parcelamentos tributários, cuja liquidação antecipada não possui qualquer virtude financeira em si.

Esses devem ser projetados dentro de sua regra própria, e com seus ônus (juros, custos) próprios. É importante que o Custo Médio Ponderado de Capital (WACC), em sua variável “capital de terceiros” reflita não uma média de juros de mercado, mas a realidade objetiva dos juros pagos pela entidade, o que, de certa forma, reflete sua realidade de risco percebido.

2.2 – Passivos Onerosos Indeterminados / Sem Regra Específica

Praticamente inexistentes em economias mais sofisticadas, no Brasil resistem práticas de mútuos intercompanhias ou entre empresa e acionistas, sejam eles Pessoas Físicas ou Jurídicas, cujas regras de liquidação (ou mesmo sua própria contratação) não são determinadas e cujas taxas de juros são basicamente indefinidas.

Consideramos aqui, o evento como uma “mistura de bolsos”. No limite, entendemos que o valuation desta classe de passivo deveria ter seu WACC considerado como “capital próprio”, caso uma regra não possa ser identificada.

Esses passivos costumam “mofar” nos balanços, mesmo de empresas com tamanho e governança razoáveis. O avaliador normalmente não é devidamente informado sobre os detalhes desses passivos, que, de qualquer sorte, não devem mesmo possuir qualquer lógica financeira exceto a necessidade de cobrir uma posição de caixa, pelo acionista/quotista.

Em nossa opinião, esses passivos onerosos não determinados devem ser “liquidados”, para fins de projeções, com toda e qualquer sobra de caixa que possa ser retirada, no Ativo, do já mencionado “Excesso de Caixa”.

2.3 – As Linhas de Fechamento das Projeções

Resta, na dinâmica das projeções, calcular duas variáveis:

  • Qual é o Caixa Excedente gerado, após todas as outras variáveis serem projetadas ou;
  • Qual é o Passivo Oneroso criado, pela necessidade de suprir eventuais deficiências de caixa.

São essas duas linhas da projeção que nos permitem verificar:

  • Se o projeto “para de pé”;
  • Se existem possibilidades de ruptura financeira que leve a “Going Concern”, acima das possibilidades de alavancagem a mercado;
  • Se existe excesso de caixa que determine liquidação antecipada de passivos onerosos que a sociedade assim o deseje.

Obviamente, parece sensato que o eventual excesso de caixa seja remunerado de forma conservadora, dentro das possibilidades de mercado dadas pelas variáveis usadas no cálculo da remuneração de ativos aplicados em prazo não tão longo; de igual forma, o passivo oneroso deverá ser gravado à taxa média obtida pela empresa historicamente, o que como já mencionamos, reflete o grau de risco percebido pelo mercado para suas operações, devidamente ajustados, no futuro, pela melhora ou piora nas condições financeiras, que indiquem variação na referida percepção de risco.

Valor Presente Líquido de Ativos de Longuíssimo Prazo

Nossa última consideração, e que deriva de uma jabuticaba bem nossa, refere-se a ativos “inexistentes” ou de realização de longuíssimo prazo e passivos cuja regra de amortização implique em eventuais ajustes de valor presente.

Ativos de Longo Prazo

Normalmente são compostos por ações judiciais cuja resolução se dá em prazos bem compatíveis com a justiça brasileira, que variam de não menos que 3 anos e que podem variar a algumas décadas.

O mesmo vale para algumas já aludidas “jabuticabas” de validade muitas vezes incertas, como os famosos Precatórios, adquiridos com deságio e contabilizados pelo valor de face, cuja perspectiva de realização deveria, no pior dos casos, ser reconhecida como impossível, e ajustada adequadamente, e no melhor dos casos, trazidas a Valor Presente Líquido por uma taxa apropriada, não necessariamente ligada ao WACC, mas, preferencialmente sim.

Um caso típico diz respeito a empresas cuja operação as faz acumular tremendos montantes de créditos de PIS, Cofins, IPI ou ICMS, cuja realização depende de autorizações governamentais e/ou negociações que acabarão fatalmente implicando em deságios por vezes grandes.

Esses valores não são passíveis de write-off (ajuste a resultado) puro e simples, mas sim o reconhecimento de que seu VPL é significativamente menor do que o registrado, ainda que algum nível de AVP (Ajuste a Valor Presente) tenha sido feito. Cabe ao avaliador ser criterioso e conservador nestes cálculos.

Passivos de Longo Prazo

Uma das maiores jabuticabas que temos, do ponto de vista contábil, diz respeito aos ultra-longos refinanciamentos de passivos tributários, denominados genericamente como “REFIS”. O primeiro REFIS data do ano de 2000, e um percentual de 1,5% sobre o faturamento era aplicada correção pela Selic, o que não se trata de nada barato, mas nada punitivo, de qualquer forma.

O resultado é que empresas com patrimônio líquido negativo continuavam operando normalmente. No fundo, o percentual de amortização de 1,5% representava um “novo tributo”.

Passivos dessa categoria ainda existem em muitas empresas. O fato é que o custo de oportunidade deste passivo, comparativamente aos juros cobrados, implica em um VPL que pode bem reduzir o montante total da dívida em até 90%, em alguns casos mais extremos.

Clientes nossos do exterior decidiram não adquirir empresas razoavelmente “saudáveis” nas condições do REFIS, porque em seus países de origem, dívidas dessa natureza, com o fisco federal, são consideradas como uma pá de cal no caixão societário. Não aqui, e isso deve ser representado devidamente nas projeções de Balanço.

Conclusões

  1. Projetar balanços é fundamental para dar consistência a valuations.
  2. Cada linha de balanço a ser projetada deve-o ser dentro de sua lógica própria, como uma “lei de formação” que representa o melhor resultado possível daquela variável.
  3. Uma avaliação que desconsidere aspectos de “Going Concern” quando das projeções de balanço deve ser posta sob dúvida, exceto em casos de flagrantes e plausíveis resultados positivos, ou negativos.
  4. Levar em consideração ativos e passivos de mais longo prazo, a fim de determinar os níveis de caixa excedente ou passivos onerosos é fundamental para determinar a variação do capital de giro líquido, peça fundamental na determinação do FCF e, por decorrência, do valor mesmo da entidade avaliada.
  5. Embora não haja um método livre de risco em avaliação, e a máxima de ‘Valuation depends on Assumptions’ (avaliar depende de premissas) ainda seja válida, existem formas de minimizar riscos de erros mais graves na geração de resultados minimamente confiáveis para fins de mercado e stakeholders.

Por fim, a conclusão mais importante é que um avaliador independente deve ser estimulado pelo mercado e pelos reguladores deste, a fim de não ficarmos reféns de gestores que contratam avaliadores baseado em objetivos não sempre ligados à clareza.

Etarismo

É uma expressão nova e, como quase todas as expressões novas, ainda não se consolidou no vernáculo como algo “auto-entendível” (Sic!).

Etarismo é, ou seria, o ato de alienar alguém pura e simplesmente por conta de sua idade cronológica. Alguém com mais de 50 anos estaria fora do mercado de trabalho justamente pela idade, não por qualquer outra razão.

O Brasil já foi um país de jovens, em que alguém com mais de 30 anos já era visto com certa desconfiança (ou quem, com mais de 50 anos, não lembra da musiquinha cantora da jovem guarda Cláudia “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”?):

Não confie em ninguém com mais de trinta anos
Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros
O professor tem mais de trinta conselhos
Mas ele tem mais de trinta, oh mais de trinta
Mais de trinta, oh mais de trinta

Marcos e Paulo Sérgio Valle

A “crítica social” já tramava, de certa forma, contra os “novos velho” de então, os de mais de 30. Hoje, alguém com 30 anos às vezes nem saiu da faculdade e mal e mal conseguiu seu primeiro emprego – não apenas aqui, mas em boa parte do mundo. A adolescência já chega aos 25 anos, e empurrou a maturidade lá pra frente. Melhor medicina e nutrição faz com que os 50/60 sejam os novos 30.

Etarismo no Mercado de Trabalho

Um colega auditor, de Santa Catarina, me disse há uns dois anos, após um simpósio que apresentamos juntos, que se quiséssemos, trabalharíamos até os 90 anos, por pura falta de material humano para fazer o que hoje fazemos, com um mínimo de qualidade.

Não sou tão pessimista (ou otimista, se olhar só pra mim mesmo). Não sei se por graça de Deus ou por ter escolhido minimamente bem, tenho colegas na firma de 20 e poucos anos e que são ao mesmo tempo capazes, comprometidos e com excelente formação. Gente que “criei” desde adolescentes profissionais e que hoje me ultrapassam, em muito, na sua capacidade de execução.

Eu creio que só venci – por enquanto – o etarismo devido ao fato de ter me arriscado, por volta dos 38 anos, e desenvolvido minha própria firma, o que me fez de alguma forma relativamente independente do fator idade no mercado de trabalho.

Recentemente, mesmo, trouxemos um profissional da área de tributos internacionais para nossa equipe, um “guri” de 53 anos, cuja atuação está superando nossas estimativas, tanto em qualidade quanto em “pegada”. Isso não é muito novidade, pois nós, Baby Boomers, sabemos que não tínhamos alternativa a não ser cair de boca na enorme de trabalho que nos era direcionada, a fim de pagar as contas e sobreviver.

Confesso, porém, que mesmo eu com 60 anos tenho cá minhas dificuldades em contratar gente já mais pra cá do que pra lá (no meu caso… antes era mais pra lá do que pra cá, mas já dobrei esse cabo da boa esperança, como diria meu saudoso pai). Tenho um medo, originado da minha própria autopercepção, de que tem menos espaço pra excel e word, e mais pra netos e documentários históricos, na minha agenda, hoje do que havia há alguns anos.

Etarismo, Cronologia e Racionalidade Econômica

O fato é que etarismo diz, hoje, menos respeito a capacidade, e mais a uma espécie de autoflagelação, nossa, dos coroas mesmos. Conscientes de nossas limitações, esparramamos pra dentro da nossa esfera profissional os medos que nos acompanham, tanto da idade como dos custos associados à ela. Ora, o plano de saúde custa mais caro, as limitações de viagem são mais visíveis, e o pique para determinadas tarefas certamente não é o mesmo.

Mas eis que entra em cena a realidade das novas gerações: eles já possuem limitações muito parecidas, desde muito cedo. E não falo aqui dos que não acordam do sonho da adolescência e adentram a maturidade. Claro que adiar o casamento, a vinda dos filhos, entre outros fatores que fazem a pessoa madurar “na marra” é uma realidade cada vez mais presente. Se a mulher pode, com saúde, ter filhos depois dos 40 anos, por que comprometer-se com tanta trabalheira antes disso? Por que, homem, deixar a vidinha de solteiro e a casa da mamãe, se é tão confortável, e o sexo hoje é quase uma obrigação, desde muito cedo, e não mais a “prerrogativa” dos casados?

A despeito de tudo isso, é interessante notar que o mercado começa a se dar conta do fato de que a relação custo X benefício está pendendo muito mais para o lado dos coroas do que dos mais jovens. A saúde vai melhor até os 70 anos; a cabeça continua em dia, junto com uma maratona diária de exercícios físicos. Tudo isso torna gente de 50, 60 e até 70 anos muito mais produtiva do que jamais foi. Chovendo no molhado, para entrar no fator cash flow do assunto. Passa a ser muito mais econômico contratar gente já com anos de estrada, formada, experiente, e que já viu “a banda passar” (outra referência datadíssima…). É mais rápido um coroa pegar no breu, como se diz aqui em Curitiba, e entrar em altitude de cruzei rápido. Esses grisalhos demoram menos tempo para entender processos às vezes complexos, e precisam de muito menos supervisão.

O Perigo do Etarismo Reverso

Desde a antiguidade, as pessoas aprendiam umas com as outras, em guildas, ou em casa, com papai e mamãe, a fazer as coisas que a família havia aprendido e aperfeiçoado por gerações. De confecção de tecidos a fabricação de cerveja, passando por marcenaria e uma série de ofícios, o filho aprendia aos pés dos pais.

Com o advento da escola pública, e posteriormente, o ensino profissionalizante, pais marceneiros passaram a ter filhos médicos, e pais médicos passaram a ter filhos historiadores, e por aí vai. Hoje, espera-se até o fim da universidade para começar uma carreira profissional. Poucos são os que trabalham pra valer, mesmo em classes menos favorecidas, muitas vezes.

Com o advento da Inteligência Artificial, da Robótica e outros truques tecnológicos, onde vai parar a nova geração de trabalhadores? Onde vão aprender, se nem sequer o ambiente de trabalho existe como existia, e boa parte do povo está em home office? Como criar uma cultura empresarial, como alimentar um processo de fertilização cruzada de ideias se as pessoas já não interagem?

O temor é que a morte inevitável das gerações mais antigas, aliada ao desenvolvimento tecnológico faça com que tenhamos nas mãos uma geração de pessoas com formação pior do que a necessária para enfrentar o mercado de trabalho. Mais do que isso, uma geração que pode ser sustentada (até quando não se sabe) por programas sociais, que retiram delas a necessidade de labutar para sobreviver. Alguns acham isso o máximo: todos dependentes do pai-governo. Eu acho que isso se assemelha muito à onda de bebês-adultos que temos em nossas casas hoje; gente que está segura de que os pais continuarão a manter seu estilo de vida mesmo na velhice deles. Ledo engano… não é cronologicamente viável.

O mercado de trabalho corre o risco de se desabastecer por conta da alienação das gerações mais jovens; as gerações Z, Millenials, etc, correm o risco de se tornar imprestáveis ao mercado de trabalho, pois têm a “casca fina demais”, se magoam facilmente demais, achar ter mais direitos do que deveremos.

Nações envelhecidas como Japão e parte da Europa já se ressente desses efeitos. Tudo isso sem contar que a base etária maior no topo do que embaixo está causando devastação das políticas de seguridade social mundo afora; gente que já contribuiu quer se aposentar; os estados gastaram boa parte do que foi arrecadado com a própria máquina; sobrou quase nada dessa pirâmide financeira para aposentar as novas gerações. O resultado é ainda mais desencanto com carreiras e profissões. Isso pode ter um efeito, digamos, salutar, de tornar a vida mais difícil, deixando o povo mais esperto quanto à necessidade de sobreviver.

São ciclos, sabemos, mas que nunca se repetem da mesma forma. O advento da IA e da robótica pode modificar sensivelmente o mercado de trabalho que conhecemos hoje.

Apostar igualmente em coroas e garotos pode ser a melhor pedida, nesses momentos de mudanças radicais.

Brazilianization

Acabando de chegar pra trabalhar, dou de cara com esse artigo que chama de “abrasileiramento” o fenômeno de empobrecimento (físico, moral, judicial) em países do primeiro mundo, que acabam por se tornar bem mais parecido conosco.

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/brazilianization-como-o-brasil-deu-origem-a-um-termo-pejorativo-no-exterior/?utm_source=salesforce&utm_medium=emkt&utm_campaign=newsletter-bom-dia&utm_content=bom-dia

Empobrecimento

O primeiro aspecto do termo diz respeito ao empobrecimento gerado em locais como Canadá, Reino Unido e a Califórnia, para ficar em poucos exemplos, nos quais a população de classe média começa a minguar, dando lugar a uma quantidade grande de muito ricos e uma legião de pobres.

Não dá pra dizer que a existência pura e simples de ricos seja ruim em si, exceto que a inexistência de uma substancial classe média, típica dos países ricos, é, sim, um marcador importante de pobreza sistêmica, cuja tendência, se não revertida, faz um país realmente empobrecer.

Mas isso, na minha opinião, é resultado, não causa.

Favelização

“O abrasileiramento do Canadá já começou. Favelas e censura para todos”

Cosmin Dzsurdzsa

Acho que o autor da frase acima não se limita à menção de favelas mesmo, físicas. Obviamente que sabemos que mais de 10% da população brasileira vive em favelas ou bairros análogos. O Rio de Janeiro é o símbolo maior dessa situação. No meu tempo de jovem, locais como Vila Cruzeiro, eram bairros de classe média-baixa, mas não eram favelas. Tinham ruas razoavelmente retas e abertas, coleta de lixo e “fumacê” (mata-mosquitos). Hoje, locais onde ficava a fábrica de lingeries Poesi, por exemplo, estão dentro do complexo do Alemão.

Não para na favela física, creio, mas vai até a favela educacional:

“O presente dos Estados Unidos do Brasil se parece com o Brasil do passado, e o futuro dos Estados Unidos se parece com o presente do Brasil”, Green afirma, depois de mencionar que a Califórnia tem fronteiras porosas, ruas esburacadas, escolas comandadas por “analfabetos fanáticos”, prisões superlotadas, uma taxa de homicídios em alta e um governo corrupto.

“O presente dos Estados Unidos do Brasil se parece com o Brasil do passado, e o futuro dos Estados Unidos se parece com o presente do Brasil”, Green afirma, depois de mencionar que a Califórnia tem fronteiras porosas, ruas esburacadas, escolas comandadas por “analfabetos fanáticos”, prisões superlotadas, uma taxa de homicídios em alta e um governo corrupto.

Dominic Green, citado na reportagem da GP, acima mencionada.

Atenção à frase “analfabetos fanáticos”. É aí que está o grosso da destruição. Entregamos nosso sistema educacional a analfabetos na prática, mas com muito potencial destrutivo. Isso ocorre há décadas, e hoje colhemos os resultados. O que o artigo reforça é que o Brasil parece ter “exportado” essa tecnologia de destruição social a países do primeiro mundo. O estarrecedor é que esses países desenvolvidos tenham “comprado” as ideias e as colocado em prática.

Judiciário

Um judiciário como o brasileiro, caro, ineficiente e em boa parte, corrompido, não pode gerar efeitos educacionais (positivos) numa sociedade, qualquer que seja. O autor compara a situação vivida por países desenvolvidos com o que temos aqui: leniência com o crime organizado, e com relação às “elites” políticas da nação. Falta quase total de justiça para a população em geral. Um traficante mata um guri de 18 anos que pisou no seu pé (provavelmente sem querer). Não há qualquer pudor em matar, já que as consequências inexistem.

Além de caro, lento. O avô da minha esposa bem que tentou esperar para ver reparada a desapropriação de suas terras, num ilha no Rio Paraná, perto de Guaíra, para formação do lago de Itaipu, que acabou nem inundado nada. A ilha está lá, intacta, o avô da esposa morreu aos 94 anos de idade, sem que o judiciário se pronunciasse, em mais de 30 anos de processo indenizatório aberto. Lentidão na justiça e injustiça pura e simples, são a mesma coisa, creio.

Mais do que isso, a deterioração da qualidade acompanha um aumento violento de custos com o judiciário. Férias de 60 dias ou mais, por ano, auxílio isso, auxílio aquilo, verba disso, verba daquilo, fazem os togados verdadeiros rajás brasileiros. É de longe o judiciário mais caro do mundo.

Quanto à qualidade da legislação criminal, a falta de punição a quem mais precisa dela dá ao cidadão comum o senso de que não tem jeito, e não vale a pena lutar por justiça. Ao marginal, dá a plena segurança de que “tá tudo dominado” e que existe uma nova ordem em cidades como o Rio e São Paulo, uma ordem na qual o poder público não detém mais o monopólio da violência, e que, mesmo quando tem, prefere não exercer, trocando o encarceramento por medidas tão brandas que estimulam o crime.

Educação

Já toquei no aspecto educacional, mas aqui há mais a ser dito: não se trata de entender diferente a educação. Trata-se, pura e simplesmente, na negação dela à população, travestida de preocupação com a mesma. Matemática, Português, Biologia, Física, Química, História e Geografia são substituídas por “matérias” que ensinam a questionar a ciência, a torná-la tão relativa quanto possível, independentemente do fato de que não que qualquer pessoa com 2 neurônios não devesse discutir com uma equação.

Aqui, é importante frisar que a base da prosperidade de qualquer país é a qualidade de seu povo, do ponto de vista de saber fazer coisas, de criar outras coisas melhores, e de usar coisas com habilidade. Perdemos, dia a dia, e continuaremos a perder essas qualidades, na medida em que nossa educação serve mais para desestabilizar a geração de riqueza da nação do que criá-la.

De anão diplomático a exemplo de anti-desenvolvimento, vamos bem, nessa jornada rumo ao quarto mundo.

Inflação e Déficit Público

Agorinha mesmo publiquei isso aí, no meu timeline do LinkedIn:

Uma das belezas do capitalismo está justamente na miríade de opinião que “puxam-pra-lá-e-pra-cá”, até que um consenso, digamos, estatístico, se impõe como médias das forças do mercado, e sua “mão invisível”. Esses dias, por exemplo, Luis Nassif, com a argumentação desenvolvimentista típica, diz que Bacen deveria diminuir os juros, não aumentá-lo, o que geraria crescimento, tributos, e, portanto, mais infraestrutura, etc. De outro lado, o sócio da Kapitalo, Bruno Cordeiro (https://lnkd.in/dRf967H4) diz que o Bacen deveria ir na direção oposta.

O fato é que há um único fator desconsiderado por quem é naturalmente desenvolvimentista: que a inflação está intimamente ligada ao déficit público, e que, no longo prazo, “aleija” a nação. É muito difícil que essas duas “bolhas” conversem, mas o fato é que o governo não consegue obter apoio do mercado para sua política do “gaste agora, pague se e quando puder”… É Sarney, é Dilma II de volta. Oremos!

Argentina

É fácil compreender este fato. É só ir aqui do lado, na Argentina, e ver como a corrosão social gerada pela inflação fez, ao longo dos anos, enormes estragos no país. Uma sucessão de governos grandes e perdulários, aliado a políticas fiscais de República de Bananas (o que aliás, a Argentina tradicionalmente não foi) fez com que a inflação se tornasse venezuelana, o crescimento português e a qualidade de vida do povo, sudanesa. Independentemente do alto grau de desenvolvimento humano e educação desse lindo país, o fato é que políticas estatais de tratamento do povo como um bando de crianças, que não podem fazer suas próprias escolhas, mas ser alimentados pela mão amiga do estado, deu no que deu.

Milei, exageradamente libertário na economia, deu um choque que Macri se recusou a fazer, anos atrás. Está causando recessão e perda de renda da população, mas está reduzindo a inflação e o peso do governo sobre a economia enormemente. Já se fala em abolir “jaboticabas portenhas” como controle de câmbio e tributação sobre exportações (!). No final das contas, vai ser a redenção da população, que, neste momento, não consegue ver os benefícios de longo prazo de se trocar um prato de comida pela capacidade futura de plantar, colher e comer por conta própria.

Brasil

Aqui, ao contrário, é “Dilma e Sarney” redivivos. É o governão com o balde de lavagem na mão e o povo atrás, e ainda agradecendo. Chico Buarque, no seu antológico livro Fazenda Modelo, mirou no que viu e acertou no que não viu. Com 40 e tantos anos de atraso, nos vemos, finalmente, na real Fazenda do Chico.

Ainda nem começamos a ver os resultados da intervenção indevida – muitas vezes, maldosa – na economia. Campos Neto ainda está lá. Haddad ainda tenta fechar as contas no zero, mesmo que aumentando impostos. Recessão à vista. O setor pecuário entre aos “campeões nacionais” de Lula, que ditam preço no mercado. Setor agrícola à míngua, com uma China fraca e uma dependência dela cada vez mais acentuada.

Sentimos mais a inflação (teoricamente baixa) do Brasil do que los hermanos sentem a Argentina, como um economista argentino recentemente disse.

Vamos de vento em popa – sabemos para onde.

Exemplo de Bolha

https://www.infomoney.com.br/business/global/por-que-o-tesla-cybertruck-de-elon-musk-virou-uma-guerra-cultural-sobre-rodas

Me deparo com este artigo e fiquei encantado com a clareza com que foi tratado o tema, mas, principalmente, a falta de interpretação adequada (minha opinião, claro) das causas da reação da “Bolha” específica.

Síntese do Teretetê

Anos atrás (5 anos) a Tesla lança um SUV grandão, feio pra burro, elétrico, chamado Cybertruck (ver foto acima, do unsplash.com). É grande, quadrado, rápido, blindado (de fábrica) e, segundo os designers, feito pra parecer aqueles carrões de filmes distópicos dos anos 80 e 90, como RoboCop, e outros, em que a corporação malvadona escraviza todo mundo, até o governo, e domina a sociedade com seus produtos ruins mas tornados indispensáveis pelo monopólio.

Ao longo dos anos, somando-se a isso a popularidade (numa Bolha) e impopularidade (noutra Bolha) do dono do boteco chamado Tesla, Elon Musk, há um crescimento em reações exacerbadas de lado a lado:

Segundo Richard Zhang, morador de Pittsburgh e proprietário de um Cybertruck, a grande maioria das interações que ele tem tido a respeito de seu carro tem sido positiva. Mas as negativas são muito, muito negativas. “Elas estão tão tomadas pela raiva que perderam todo o senso de decência e respeito”, disse Zhang, 30, sobre as críticas que recebeu.

Do artigo da Infomoney

Síntese, foco no dono da Tesla, não no produto. Foco no que o produto parece “significar” e não no carro em si.

Reações

Os problemas começam com alguns tipos de reação, que, da “minha Bolha” sequer posso julgar adequadamente, mas confesso que tento:

Para os membros de uma elite tecnológica preocupada com os problemas da vida urbana na Área da Baía de São Francisco e em outros lugares, é difícil não ver o Cybertruck como um carro dos sonhos, ou como um veículo adequado para enfrentar seus pesadelos.

Do Artigo do Infomoney

Bom, o carro é elétrico; o carro é silencioso; o carro é confiável; o carro é blindado. Problemas até o momento? Exceto aqueles que “minha bolha” consideram como difíceis de explicar (por exemplo, o fato de que ter carro elétrico com matriz energética “suja” é bobagem, e que as baterias ocasionarão mais poluição do que os “verdes” querem admitir), os atributos do carro parecem bons.

Mas a “bolha de lá” faz um link perigoso entre Musk e o carro em si.

Há uma conclusão?

Infelizmente, há. O nível de segregação entre as tais bolhas, e o nível de rechaço imediato, não pensado, não refletido, não discutido, faz com que uma e outra bolha julgue que a água do banho “sujou o bebê” e jogue ambos fora…

Estamos diante de uma situação em que o que eu “sinto” sobre algo está se tornando mais importante do que o que este algo é, em si mesmo. É algo que beira à rejeição que um muçulmano sente por um cristão (e muitas vezes, vice-versa), que é visceral e não diz respeito ao cara (cristão, muçulmano) que está diante de mim. É como o torcedor que nem viu o jogo, ouviu falar que teve um pênalti sem VAR, mas sabe, na “alma” que, se foi a favor do Flamengo, é roubado (para informação, sou tricolor de coração e acho que TODO pênalti a favor do Frá é necessariamente roubado – minha bolha, ninguém tasca!)…

A conclusão é a de que a soma de educação limitada e parcimoniosa em suas conclusões com o espírito de Fla-Flu do mundo atual, faz com que ninguém pense muito sobre fatos, mas sentimentos têm sempre razão – refletidos ou nào.

Bolhas

O tema é recorrente. Um lado acusa o outro de viver numa “Bolha” de informação dócil à sua visão do mundo. “Eu” nunca estou numa bolha. O “outro”, sempre. “Eu” nunca sofro a mínima possibilidade de estar errado. O “outro” sempre.

Vou tentar tratar o fenômeno aqui sem me importar com quem seja o “Eu” e o “Outro”. Entendo que se eu quero fazer uma abordagem minimamente rigorosa do assunto, preciso fazê-lo sem me posicionar. É quase impossível e provavelmente vou fracassar, mas vamos lá.

A Minha Bolha

A tentativa de assassinato de Donald Trump, ocorrida dia 14/07/24 foi o estopim desse toró de palpite. Na famosa “mais antiga exposição rural do Brasil”, na minha cidade natal, Cordeiro, em visita à santa mãezinha, me deparo com primos, irmãos, e outros parentes, ainda sob o calor dos acontecimentos.

“Fake News”, diz um. “Atentado sim!” esbraveja outro. Eu, de minha parte, e fazendo coro com minha linha de pensamento, me expresso com um “Igualzinho à facada do Adélio” – com o que todos concordam – ou por acharem fake ou não.

O fato é que percebi que não adianta argumento. Nada vai demover um sujeito a achar “fake” e o outro a enxergar como uma tentativa de desestabilização da democracia. Mas a primeira coisa que me deixa apalermado é a incapacidade das “Bolhas” em esperar apurações para concluir.

A Globonews já do dia mostrava dois jornalistas – um brasileiro (defendendo que era fake news, orquestrada pelo próprio Trump) e um americano que, falando em português, disse que era no mínimo insensato discutir o assunto ali, mas que a alegação do brasileiro era risível e tendenciosa (não lembro dos termos exatos).

Há vídeos, vários, que vão apurar o fato sem sombra de dúvida. Já quanto à acreditar nas apurações, é mais difícil, seja qualquer que seja o resultado. A comissão Warren, que investigou o caso do assassinato de JFK em Dallas, não conseguiu apagar as teorias da conspiração ainda em vigor.

A Sua Bolha

Eu não leio o que você lê. Eu não me coloco no seu lugar. De nenhuma forma eu acredito que [Lula]/[Bolsonaro] (escolha sua alternativa) seja honesto. Deus me livre de achar que [Lula]/[Bolsonaro] fez algo que preste em seu(s) mandato(s). Certamente [Lula]/[Bolsonaro] é um calhorda da pior espécie e odeia os pobres, na verdade.

A sua bolha é a do ódio. O amor [venceu]/[perdeu]. A minha bolha não existe. A SUA sim. EU não vivo em uma bolha. Eu olho tudo, examino tudo e retenho o que creio ser certo. Você? Tá sempre “serto”.

Minha Bolha, Sua Bolha e a Verdade

Talvez a forma mais correta de abordar este problema – e na verdade, qualquer outro, é o Método Científico. Mas esse se presta mais ao que é exato do que ao que é opinativo. No entanto, a verdade existe. Claro, sempre há os caras que falam da “minha verdade” e “sua verdade”. De dentro da Bolha existe “minha verdade” e sua opinião, somente.

Embora este tipo de visão de mundo sempre tenha existido, estamos diante de um processo radicalização “diabólico”. Coloco o foco no “diabólico” porque o Diabo não é apenas um “nome”. É um conceito – significa DUAL, dois lados, duas mentes, duas opiniões. O diabo é que o Diabo mora nos detalhes, como diz o aforismo. Mas hoje em dia ninguém quer ler detalhes. Ninguém quer esmiuçar nada. O simplismo é a regra. Os Reels de 30, 40 segundos, os memes, e tanta coisa instantânea.

Um cara do meu lado no aeroporto me viu com um livro de papel, de umas 800 páginas, na mão (Signature in the Cell, de Stephen C. Meyer) e não resistiu: “você tem saco pra ler isso tudo? Eu nunca li um livro deste tamanho”… Ele nem era tão jovem assim, para que eu (caindo na tentação da hiperssimplificação) diga que são essas “novas gerações”. Mas certamente, foi honesto. Eu, com cara de paisagem, não sabia como responder. Minha esposa quase me crucifica por ficar com o focinho em livros dia e noite. E com razão, pois pra mim se tornou um vício mais, como alcoolismo ou drogadicção.

A verdade, ah, a verdade é um treco complicado. Jesus recebeu de Pilatos a famosa resposta “e o que é a verdade?” (João 18:38) quando disse que veio ao mundo para “dar testemunho da verdade” (João 18:37). Jesus não respondeu. Não que não soubesse, como diria um detrator da minha ou da sua Bolha. Eu acho que ele não respondeu porque não valia a pena. Melhor morrer (e ressuscitar) logo e deixar a posteridade decidir quem ia ser chamado Salvador, e quem seria um nome de avião, ou de método de exercício, ou ainda um cachorro brabo…

Quando eu tento julgar o que é verdade, tenho séculos de pensadores que, de uma forma ou outra, fizeram contribuições importantes ao processo. Um, famoso, que gosto muito, se chamava Wilhem of Ockham, e sua famosa “Navalha” diz algo assim:

“Nada se deve aceitar sem justificativa própria, a não ser que seja evidente ou conhecido com base na experiência ou assegurado pela autoridade das Sagradas Escrituras

https://pt.wikipedia.org/wiki/Navalha_de_Ockham

Em outros escritos, Ockham foca na “simplidade”: de todas as hipóteses para um problema, sempre devemos procurar apenas UMA explicação suficiente, e o mais simples possível (mas, parafraseando Einsten, não mais simples que isso).

Filosofada pra cá, filosofada pra lá, quem se propõe a analisar um fato, deve, antes de qualquer coisa, supor: a)que não sabe a verdade ainda; b)que está disposto a reconhecer a verdade, se e quando topar com ela; c)que poderá ficar chateado com a verdade.

O caso da Ciência e da Fé

Um dos casos mais emblemáticos de “Bolhas” em conflito se dá há quase 200 anos, entre religião e ciência. Houve um tempo em que o conflito não existia. Era um tempo em que a Igreja organizada fomentou a ciência. Na verdade, as universidades eram todas confessionais, em um tempo dado. Até por volta de 1780, ou por aí, a fé e a ciência caminhavam, aos trancos e barrancos, juntas.

De lá pra cá, grandes pensadores já declararam Deus como tendo falecido, já declararam os homens de fé (qualquer fé) como loucos ou burros, e já declararam que a Ciência estava a caminho de expurgar da humanidade a necessidade de crença (qualquer crença). Só restariam as evidências.

Fomos todos ensinados a deixar a fé numa caixinha à parte, que os verdadeiros cientistas condescendentemente nos deixavam ter, ainda, mas que em breve a luz da verdade se acenderia em nós, e nos livraríamos do obscurantismo que a fé representava.

A Bíblia e outros textos “sagrados” se tornaram contos da carochinha e só isso.

Pois bem, na medida em que a própria ciência foi progredindo, a dúvida voltou a pairar sobre a cabeça dos mesmos que julgavam que haviam resolvido tudo o que havia para ser compreendido. O impacto de descobertas como a Dupla Hélice do DNA, por Crick e Watson, nos anos 50, e, mais recentemente, a radiação de fundo e o Big-Bang, fizeram reacender discussões que haviam “morrido”. Essas descobertas colocam, dia após dia, “consensos” como a Teoria da Evolução em xeque. Hoje, cientistas antes céticos, começam a pensar de forma crítica sobre suas próprias conclusões. O livro que já citei (Signature in the Cell) é um relato fascinante, de um cientista ateu (ma non troppo…) que, se quisesse continuar a ser intelectualmente honesto, tinha que se render a evidências de “Design Inteligente”.

O lado “de cá” (uma das Bolhas) teve chiliques e pitis. Óbvio: é extremamente complexo sair da sua “bolhinha” e ver o mundo de uma forma diferente. O progresso da raça humana, no entanto, depende disso. De sairmos da zona de conforto e nos colocarmos “no sereno” da verdade, e no incômodo que ele produz.

A conclusão é a de que, embora um relato simplificado, há coisas no Gênesis que merecem atenção, e que, se expresso por um “Deus amoroso” precisaria mesmo ser simples: como explicar algo tão imenso em palavras que o pastor de cabras do sul do Sinai entendesse, bem como um ganhador de Nobel? Há que simplificar – sem perder a verdade implícita, mas de forma a contar a história.

Desprezo pela Verdade

A única coisa que vemos no nosso momento “diabólico” de hoje é um tremendo desprezo pela verdade. Ambas as bolhas se entreolham, e têm a certeza de que, se cederem à verdade contidas em determinados argumentos da parte contrária, serão expulsos pelos fanáticos de sua bolha.

Reconhecer que existem apenas dois tipos de cromossomos, e portanto, dois gêneros, passa a ser anátema, em uma bolha.

Reconhecer que pode perfeitamente haver uma rede de proteção social bancada pela sociedade, sem que isso implique em quebra do sistema capitalista, também é anátema, na outra bolha.

Os exemplos se multiplicam e este (já longo) artigo, se tornaria um livreto se contássemos todos os causos.

A razão das Bolhas

Olhando o assunto da melhor forma que consigo, tendo a concluir que a razão da existência das bolhas é, de fato, satânico/diabólico: se eu não separo, se não segrego, não conquisto (Dividir e Conquistar). Se deixo alguém pensar, se não o sufoco com “provas” que me interessam, se não induzo a um determinado objetivo (meu), não chego no meu objetivo. Qual é? Há mais de um – dois, pelo menos.

A razão, de novo, na minha opinião, é a polarização em torno de uma figura central, uma “ideia” difusa ou não, mas sempre há alguém fazendo com que eu seja levado a pensar de um jeito que interesse a alguém. O fato de que alguém seja inteligente de estudado não faz dele imune à influência de uma das bolhas. Pelo contrário, alguns “fanáticos de carteirinha” são justamente pessoas de excelente intelecto e realizações, científicas, artísticas e sociais. Pessoas que nunca poderíamos esperar que se comportassem como trogloditas de mídia.

Já vimos esta situação em momentos de radicalização, diversos. A Revolução Francesa foi uma; o Outubro Vermelho foi outra; o Nazismo foi uma outra. Eu suponho que veremos momentos de maior radicalização ainda. Temo que o resultado seja o mesmo de antes: sangue nas ruas.

De novo, que Deus nos livre!

Às favas o Mercado

Reportagem de hoje do Infomoney:(https://www.infomoney.com.br/colunistas/lucas-collazo/lula-voce-nao-liga-para-os-banqueiros-vamos-ver-ate-onde-voce-aguenta-diz-sr-mercado/) dá conta de que a paciência do Mercado com Lula está se deteriorando rapidamente. Lula afirma (creio no que ele falou) que “não tenho que prestar contas a nenhum ricaço deste país”. Mas, segundo a reportagem, em seguida se reune com a equipe econômica e sai de lá dizendo que “equilíbrio das contas públicas é fundamental” ou coisa que o valha.

No mau e velho estilo Lula, ele erra trementamente o foco ao dizer que não presta conta a “ricaço”. Isso é música pros ouvidos de sua claque, mas não é a verdade. O fato é que por “ricaço”, leia-se, em sua maioria, uma miríade de pequenos e médios investidores, que escolheram o mercado de capital e financeiro para tentar manter suas economias de vidas inteiras à salvo de inflação e com poder de compra para uma velhice razoável (já que viver de INSS não é exatamente uma alternativa boa hoje, e no futuro, nem sabemos se será uma alternativa).

Às Favas?

O fato é que há, em minha opinião, uma grande chance de que o executivo atual, com suas manchas mal lavadas, não tenha a força de resistir às correntes que querem mandar, sim, o “mercado” às favas, e gerir o país fora da normalidade econômica – pouca ou muita – que temos hoje.

Há o caminho de Nicarágua e Venezuela, países com baixa ou nenhuma diversificação econômica e mercados financeiros que mesmo antes dos eventos ditatoriais já não eram relevantes. Esse caminho valeu-se, em ambos os casos, do rompimento da normalidade institucional. Mandou às favas, de forma direta, o mercado, assumindo o papel que aos mais radicais da esquerda, competiria ao estado (nem a poderosa China pensa assim, mas eles sim).

Há o caminho da Argentina, que, com economia mais diversificada e padrão de vida médio mais alto (renda per capital superior à nossa), uma dificuldade maior de impor uma ditadura “bolivariana”. A Argentina deu mostras, por duas vezes, na transição de Kirchner para Macri, e agora, de Fernandes para Milei, de que a despeito das diferenças de approach econômico, não houve total ruptura institucional, principalmente no judiciário, relativamente independente, e uma imprensa menos dócil.

O Brasil tem aspectos que beiram à dupla nada dinâmica – Venezuela / Nicarágua, principalmente quanto ao aparelhamento do judiciário e controle da mídia; possui, porém características argentinas, de uma economia ainda mais diversa, e com intercâmbios mundiais mais importantes (principalmente no Agribusiness, que Lula teima em demonizar, com apoio e aplausos de França, e até partes dos EUA e Canadá).

Quanto à qualidade do executivo, a despeito de seus muitos, e não reconhecidos, defeitos, montou uma equipe de ministros “meno male”. Até o momento isenta de grandes ortodoxias, e com o Banco Central, por enquanto, nas mãos competentes de Campos Neto, não deu tempo, nem teve condições políticas, de zoar a coisa toda. Está tentando, na minha opinião, mas a linha entre dar ouvidos ao “mercado” e aos radicais domésticos é tênue e, uma vez rompida, de difícil retorno à sanidade.

Os Limites: Temporal e Econômico

Até o momento, Lula ainda consegue reconhecer o limite, e, de certa forma, manter-se aquém da tragédia. A possível ascenção de Garópolo ao Bacen pode sinalizar outro “meno male” importante, mas até aqui ainda temos uma incógnita. Em evento recente no BTG, um palestrante diz que conhece Garópolo e que ele é um adepto do equilíbrio financeiro e realismo de juros e câmbio. Se terá valor ou espaço para manter sanidade no Bacen é outra conversa, mas é melhor do que Mercadante ou Mantega. Ideal seria manter o Campos Neto lá, mas isso, Lula interesse suficiente em fazer. Não conseguirá reconhecer a necessidade.

As palavras de Lula fazem cada vez menos sentido, tomadas no geral. Estão, na minha opinião, sendo cada vez mais ditas a públicos cativos, e nem podemos cravar que sabemos o que realmente informam ou não. Não esperaríamos Lula dizer que sim, respeita e valoriza a palavra de “ricaços”, ainda que saiba que eles dão parte dos empregos e do capital de investimento do país. Não seria tolo suficiente de excluir uma fatia importante do seu eleitorado, ao se declarar franco favorável ao Agro. Não seria corajoso o suficiente para deixar de fora da Petrobrás figuras que detém o “caminho das pedras” daquela mina de ouro.

A encruzilhada se aproxima, sob o apelido de Janeiro de 2025. Vejamos se manteremos um mínimo de racionalidade econômica.

O Futuro de BAM – Business as Mission

As viagens missionárias do fazedor de tendas mais famoso da história…

Este pequeno artigo será, se Deus quiser, expandido para algo mais substancial sobre o modelo de futuro que creio que seja adequado para o movimento Business as Mission, BAM, ou na melhor tradução possível, “Missão Empresarial”, ou “Negócios como Missão”. Autores consagrados, como Mike Baer, Mats Tunehag e João Mordomo, entre vários outros teóricos de BAM, juntos conosco no 1º. Encontro do BAM Brasil, entre os dias 18 e 19 de Maio de 2024, nos brindaram com palestras fantásticas que versaram sobre a forma como nós, empresários, podemos e temos obrigação de olhar para nossas empresas e firmas com um olhar “sagrado”.

A principal mensagem, o principal “produto” que levei para casa deste congresso foi:

“Não há hierarquia entre o homem de Deus pastor, pregador ou missionário, e o homem de Deus empresário ou profissional liberal”.

Congresso BAM Brasil

A tendência que temos de olhar para os “clérigos” como gente mais próxima a Deus é absolutamente equivocada, e fruto de um mundo que começou a tratar coisas sagradas e profanas separadamente, relegando os negócios ao plano inferior. As razões são várias, e não vamos entrar nelas de cabeça, mas apenas resumindo, somos considerados mais profanos porque:

  • A cosmovisão católica que permeia boa parte do mundo hierarquizou e segregou o clero dos fiéis, sendo os empresários relegados à segunda categoria.
  • A visão de que lucro é pecado faz com que entendamos que o que fazemos é “arrancar algo de outra pessoa”. É uma visão deturpada da economia e das pessoas de forma geral. Estamos sempre ocupados em sublinhar o que de pior vemos nos outros.
  • A visão especificamente brasileira, em que um certo empresariado está sempre mancomunado com os governos, para obter vantagens indevidas, e mais, a visão de sonegação como um “mal necessário” à sobrevivência das empresas nos faz achar que empresário é alguém que vive num ambiente menos santo.

A despeito de tudo isso, o movimento BAM tem avançado no Brasil e no mundo, fomentando uma nova geração de empreendedores focados em gerar riqueza, para si e para os stakeholders de seu negócio, de forma saudável, socialmente e ambientalmente responsável, mas, sobretudo, espiritualmente comprometidos em viver (mais do que falar) o Evangelho dentro de nossas organizações.

Nós mesmos dentro da VBR Brasil temos tido a oportunidade de ter um turnover bastante baixo nos nossos funcionários. Parte disso, eu creio, advém de um ambiente social e espiritualmente saudável, onde a competição não é estimulada, se leva outro a ser deixado de lado. A competição é estimulada no sentido do melhor esporte do mundo – o golfe – no qual a pessoa, no fundo, joga contra ela mesma, suas limitações e momentos. Um ambiente espiritualmente saudável parece ser conducente a um relacionamento saudável entre as pessoas. As gerações mais modernas parecem gostar disso mais do que de um salário um pouco maior.

BAM joga, então, com a formação de empresas que tenha o poder de impactar o mundo, a começar por seu ambiente de negócios mais próximo, para Cristo e o Seu Reino.

A questão aqui não é mudar nem criticar esta filosofia do trabalho BAM. Ela está perfeitamente em linha com o Novo Testamento e com a Grande Comissão. Ela deve continuar a ser estimulada. Empresas cuja propriedade seja de servos de Deus devem ser estimuladas a se tornarem empresas BAM, sérias com Deus e Seu propósito. Ele continua a querer receber Glória (Doxa, como adora dizer João Mordomo) entre as nações.

O que quero tratar aqui é do futuro de BAM, como forma de penetração nessas nações. O objetivo aqui é tratar do Fluxo de Capital intergeracional, e como isso pode afetar BAM e a atividade e missionária mundial. Temos algumas certezas sobre o mundo atual – social e econômico:

  • Ele jaz no maligno (1 João 5:19).
  • Ele exerce crescente perseguição sobre o povo de Deus (Ap. 2:10)
  • Ele tornará o livre acesso das pessoas ao Evangelho cada vez mais difícil (Rom 8:36).

Diante disso, chegará, em breve, o tempo em que a existência de missionários será restrita de tal forma que somente não-clérigos poderão estar no meio de determinadas populações. Quem serão esses? Nós hoje os chamamos de bi vocacionados, de fazedores de tendas e muitas outras formas. O fato é que o mais bem sucedido “não-clérigo” me parece ser aquele que tem interesses vestidos em empresas e países em regiões complexas, ou que, pela natureza de suas empresas, possuam alcance grande o suficiente para serem relevantes em um local remoto, a despeito de estar ou não lá (a internet pode ser bênção, com certeza).

Do OPEX ao CAPEX

Como me pronunciei durante o painel-entrevista entre mim, e a Lara, brilhante guria de 22 anos, já CEO de sua empresa BAM, e antenada na vida espiritual e empresarial (uma alegria de ver!) e o querido Danilo Brizola, BAMer e agitador profissional, acredito em uma mudança na forma de alocação de recursos para missões.

Estratégias Atuais – a primeira onda – o OPEX[1]

A principal estratégia missionária mundial atual data dos primórdios da BMS – British Missionary Society, criada pelo querido e famoso William Carey no Séc. XVIII ainda, e cujo sucesso é inegável. De lá para cá tem sido mais do mesmo: reunião de fundos via denominações e pessoas empenhadas em contribuir para o Reino. Esses fundos são então lançados sob forma de cobertura de subsistência de missionários profissionais (a palavra é inadequada, mas é uma que reflete o que de fato existe), e os resultados são de maior ou menor intensidade, a depender do local, do estilo de trabalho e outros fatores, muitas vezes incontroláveis.

Essa foi a estratégia vencedora, por exemplo, no Brasil. Mesmo em sendo um país nominalmente cristão, o estilo de cristianismo havido aqui sempre foi mais não-praticante, ou não “nascido de novo” (embora não possamos negar o caráter eminentemente cristão de muitas e muitas lideranças religiosas do país ao longo dos séculos). As denominações evangélicas do velho mundo e dos EUA, primariamente, identificaram o Brasil como uma potencial fonte de cristãos nascidos de novo, e despejaram recursos humanos e materiais aqui.

Eu mesmo sou fruto disso, pois minha família, originalmente italiana e católica, passou por um processo de profunda transformação, a ponto de sermos hoje identificados diretamente com o cristianismo evangélico já por 4 gerações.

Essa foi a onda do OPEX, que ainda é a mais usada por organizações missionárias e denominações.

Estratégias Atuais – a segunda onda – o CAPEX[2]

Em um ambiente de repressão e dificuldades, apenas a lógica econômica mais direta e atraente para o país receptor vai permitir que o jogo continue a ser jogado. É muito mais difícil recusar um visto a um CEO de uma empresa investidora estrangeira do que a um missionário, ou, como tem acontecido frequentemente, missionários travestidos de estudantes de idiomas ou outras funções.

A motivação econômica direta é ao mesmo tempo legítima e legitimadora dos cristãos que, independentemente de qualquer coisa, vão ganhar a vida em outro país, pelo meio do empreendedorismo e do trabalho árduo e honesto.

Para isso, antevejo a necessidade de uma mudança em direção ao modelo seguinte. Aqui, uma pausa para segregar um conceito já apelidado de Business FOR Mission (Negócios PARA Missão) e o que proponho agora. O “disclaimer” de BAM diferencia o conceito de BFM de forma inequívoca[3]

“Business as mission é diferente de… BUSINESS FOR MISSIONS

                Lucros de negócios podem ser doados para dar suporte a missões e ministérios. Isso é diferente de BAM. Alguém pode chamar isso de negócios PARA missões, ao usar negócios para prover fundos para outros tipos de ministérios. Reconhecemos que lucros de negócios podem dar suporte a “missões”, e que isso é bom e válido. De forma semelhante, empregados podem doar parte de seus salários para causas caritativas. Enquanto tal possa ser encorajado, nenhum de nós gostaria de ser operado por um cirurgião cuja única ambição seja a de fazer dinheiro para ofertar à igreja. Ao invés disso, esperamos que ele tenha as habilidades corretas e que possa operar com excelência, fazendo seu trabalho com total integridade profissional. De forma parecida, um negócio BAM deverá produzir mais do que produtos ou serviços a fim de gerar riqueza. Ele deve buscar cumprir os propósitos e valores do Reino de Deus através de cada aspecto de suas operações. O conceito de negócio BFM pode limitar os empresários a um papel de doadores aos “ministérios reais”. A despeito da doação ser uma função importante, BAM se trata de negócios com fins de lucro, mas focados no Reino.[4]

Entendi, então, que o que temos em mão se trata de algo diferente, cujo nome provisório (e conceito por trás dele) poderia ser “BUSINESS ON MISSION”, ou “BUSINESS ON MISSION BASE” (Bomb).

Trata-se aqui de uma forma de empreendimento imaginada, planejada, gestada e capitalizada para uma função legítima (gerar lucro, como BAM) e ao mesmo tempo, servir de veículo também legítimo para que cristãos possam espalhar a Boa Nova a povos não necessariamente alcançados, ou totalmente não alcançados.

Não falo aqui de enfiar evangelho goela abaixo de nenhum povo ou “colonizar” o outro, mas tão simplesmente viver a sua fé simples e forte, permitindo que outros “vejam a Cristo” em nós, ainda que sem qualquer proselitismo. É proibido fazer proselitismo? Não façamos, mas NÃO deixemos de viver a Palavra e exalar “o bom perfume de Cristo”.

Como?

A forma mais objetiva de BOM, ou BOMB (!!!) se baseia em transformar esse atual OPEX (ofertas para missões) em CAPEX (investimentos em missões). Dentro desse conceito, a que eu acho mais atraente e que pode dar os melhores resultados é a acumulação de capital no sentido de gerar  Fundos ou Entidades de Investimento legítimos, cujo objetivo é o lucro, mas cuja estrutura operacional crie oportunidade para que cristãos “raiz” se disponham a trabalhar como executivos em locais normalmente complexos, de forma legítima, mas com olho e tempo para a propagação do Reino, nesses locais.

Não advogo de nenhuma forma que levemos equipes inteiras para essas empresas e atividades. Ao contrário, a contratação de pessoal de base local é fundamental. Ajuda a criação de emprego no país destino, reforça a economia local, recolhe tributos de forma legal e correta, e, no fim das contas, permite que interajamos com os cidadãos locais, levando-os, sem colonialismo, mas com amor profundo, ao conhecimento de Cristo.

Esses fundos funcionariam mais ou menos assim[5]:

Transformar as “doações” em capitalizações para Fundos de Investimento (Private Equities, entre outras plataformas) com todas as salvaguardas, garantias e governanças das leis dos melhores países e jurisdições para tal.

  • Estabelecer para o Fundo: a)As regras de investimento As regras de assunção de riscos e retornos; b)As regras de reembolso e reinvestimento; c) As regras de segregação de retorno ao Fundo e à transformação de CAPEX (retorno) em OPEX (novos bi vocacionados e líderes de campo); d)Um Board com visão alinhada com BAM e com o Reino.

Desta forma, bons investimentos vão gerar bons retornos, que terão três virtudes:

  • Tornar o movimento autossustentável
  • Tornar o movimento menos vulnerável a governos e políticas religiosas de países.
  • Dar ao movimento condições de crescimento mais acelerado do que a mera arrecadação de doações, ofertas e compromissos.
  • Tornar a vida dos bi vocacionados, na ponta extrema do movimento, mais estável.

Política de Emprego e Liderança

Empresas BOMB, ao serem comandadas e coordenadas por uma liderança BAM, teriam necessariamente, como já disse, que empregar localmente o máximo de pessoas, mas manter a liderança ligada e alinhada diretamente ao Fundo, a BAM e aos princípios BOMB.

Isso implica e que, em algum momento, empregados locais convertidos e comprovadamente capazes, passarão a ocupar cargos de liderança, alinhados com os princípios do movimento. Obviamente que lideranças cristãs locais e capazes podem ser recrutadas de imediato, o que normalmente não parece ser tão fácil.

Em qualquer circunstância, é ser “sal e luz” que vai ganhar o jogo, e não fazer proselitismo ou impor um modo de pensar.

São apenas reflexões não teóricas, baseadas em conceitos mais “heróicos” do que acadêmicos, mas podem servir de reflexão aos pensadores do Movimento como um todo.

“Não por força, nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor”


[1] Operational expenses, em inglês, ou “Despesas Operacionais”.

[2] “Capital Expenditures”, em inglês, ou Gastos de Capital.

[3] Aqui, o puxão de orelhas de João Mordomo me ajudou no avanço para o conceito que apresentarei a seguir.

[4] Extraído do manifesto de BAM, traduzido por mim.

[5] O Fundo IBEX, que eu mesmo invisto, trabalha quase exatamente neste modelo.