
Estamos diante do maior terremoto nas estruturas econômicas do mundo, talvez desde os choques do petróleo nos anos 70. A percepção que tenho captado, de clientes, colegas e players do mercado, é a de que não faltará fonte de tensão e problema, até que a coisa chegue a um equilíbrio e se torne mais conhecida dos mercados.
Mercados, por definição, odeiam imprevisibilidade. Mais do que odeiam a crise em si. Se há crise, mas há uma ideia clara de onde a crise nos leva, o mercado adapta-se e reage de acordo. Já na incerteza, não há o que fazer. É diante disso que estamos agora.
Trump mexeu com as estruturas do capitalismo mundial, ao propor as tais tarifas recíprocas, e as “mínimas”. Neste pormenor, o Brasil e boa parte da América Latina se livrou do pior, com uma taxação de 10% (ainda a ser mais bem entendida) e já chiou, mesmo assim. A razão de termos nos livrado de tarifas maiores, mesmo sendo um dos países mais protecionistas do mundo, advém de um só fator.
Irrelevância
Sim, escapamos do pior por sermos irrelevantes para os EUA. Aliás, ao lado do epíteto de “Anão Diplomático” este é o que talvez mais mal interior me causa. Quem diria que uma nação que tem o que temos, pode ser mais irrelevante, em termos de mídia, corrente de comércio, patentes, startups, etc, do que nós?
El Salvador é mais relevante do que nós. Irã é mais relevante do que nós. Irlanda, Nova Zelândia e outros países que teriam, numa ordem natural mais “cartesiana’, zero relevância comparativamente conosco. Mas irrelevantes somos e, pior, nos achamos muita coisa, num mundo que nos ignora.
E por que somos anões diplomáticos, anões econômicos, anões midiáticos? Porque não produzimos quase nada que valha a pena ser observado. Temos uma sociedade sufocada por tributos e criminalidade. Temos pseudo instituições, que o mundo acertadamente ignora. Temos, enfim, um governo que toda basicamente todas as decisões erradas – e não é só esse. O executivo brasileiro, há décadas, prima pelo erro. Aprimora o jeito de errar. Identifica o problema erradamente, obtém as piores soluções possíveis e as executa com primor.
Nova Fase Global
Pra não falar “nova era”, que não é uma expressão do meu agrado, estamos diante de uma ordem mundial que se altera por canetada. Acertadamente ou não, isso vai gerar, e enquanto escrevo, já gerou, uma reação forte de alguns países, a China entre eles. O gigante comunista do leste acaba de anunciar uma tarifa “reacionária” de 34% sobre as exportações americanas. Isso se contrapõe à tarifa igual, imposta pelos EUA esta semana. Pau que dá em Chico, dá em Francisco, ok? Mais ou menos.
Com uma balança comercial altamente deficitária em relação à China, parece que reagir em igual medida cumpre apenas um papel de estimular o mundo a tomar medidas parecidas contra os EUA, enfraquecendo, por consequência, sua posição adotada recentemente.
Funcionará? Para a China, provavelmente não. E para o Brasil? Possivelmente sim, pois que somos um dos poucos países com os quais os EUA mantêm algum superávit comercial.
J.D. Vance, o vice presidente americano, em entrevista à Heritage Foundation recentemente, argumentou a favor das tarifas da seguinte forma (minhas palavras, ou o que entendi delas): “ora, não é possível os EUA financiarem o comércio mundial com base na contratação de déficits crescentes. Nós financiamos o camponês da China, na fabricação de produtos para exportar para nós, e pagamos com dinheiro de empréstimos feitos a nós, em parte, por esse mesmo camponês chinês”.
Faz sentido continuar um processo de endividamento contínuo, crescente e sufocante, para que outros países tenham facilidade de exportar? Acho que não. O déficit americano nem é devido a um governo maior do que a média dos governos europeus, chinês ou russo. No caso brasileiro, o custo do nosso governo em relação ao PIB é 50%, se é que alguma estatística decente pode ser feita neste sentido. Nos EUA, é 35%. Mas vejam o que o estado americano carrega de gastos feitos a fim de tornar o mundo um lugar minimamente seguro, para os outros – sim, mandar no mundo tem um preço, e os EUA se deram conta de que: a)pagam a parte do leão; b)já não tocam o “apito” que tocavam em quase todo pós guerra.
A ONU é um exemplo, a OTAN, outro. Na ONU, vê-se os EUA apitarem cada vez menos. Países cuja contribuição para a organização é ínfima, mandam em áreas como Direitos Humanos (Irã, Egito, outros). Na OTAN, os EUA bancam quase todo o orçamento, apenas para manter a Europa em relativa segurança (pode-se argumentar que não é bem assim, claro), enquanto os europeus brincam de estado de bem-estar social com parte da grana que deveria estar sendo aplicada em defesa. É isso que Trump percebeu e que tenta remediar.
Bai Lan
Da forma certa? Remedia com bom senso? Acho que não. Não gosto de histrionismo, e de medidas pirotécnicas. Mas é o estilo do cara. Burro, ele não é. Cercou-se de excelentes pessoas. É como Bolsonaro fez aqui no seu governo – teve um “dream team” de ministros, mas continuou falando bobagem. E como o que se fala muitas vezes tem mais repercussão do que o que se faz, ele foi julgado por boquirroto.
Até o tolo, quando se cala, será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios, por sábio.
Provérbios 7:28
Boquirroto, apesar de ter feito o que reputo por um excelente governo, Bolsonaro foi, principalmente dadas as circunstâncias, Covid, Ucrânia, etc. Lula agora terá a chance de provar que não é bom piloto somente no sol. Com a tempestade que ameaça se abater sobre todos nós, vamos ver se ele é ou não o governante que, na minha opinião, mais atrapalhou do que ajudou o país, num dos períodos mais ensolarados da história do mundo.
A tempestade poderá alinhar o mundo. A China mete medo, principalmente por estar alinhada fortemente com a Rússia, cujo ditador, a exemplo do nosso presidente, não tem sucessor. Não se sabe se, em alguns anos, quem estará no leme daquele país. A China, por todo o seu desastre humanitário, ainda tem mais previsibilidade de transição de governos, aparentemente. Não é o que o especialista em oriente, o holandês Frank Dikötter, disse no programa “Uncommon Knowledge” há uns dias. Na visão dele, a China é uma estátua com pés de barro. E a razão, segundo ele, vem de uma “revolução silenciosa” que existe naquele país, que os locais apelidaram de “Bai Lan”, literalmente “Deixe apodrecer”. É uma resposta do chinês comum totalmente diferente de tudo o que se viu antes: o chinês que sempre trabalhou 12 horas por dia, começa a dizer: para quê? Vou deixar que tudo se exploda.
É algo que o Partido Comunista daquele país morre de medo, porque é o exemplo mais acabado de revolução sem armas, e que mata, e não apenas aleija, uma nação. No fundo, boa parte do nosso país vive assim. Cuidar do próximo? Que se exploda… patriotismo? que se exploda… honestidade? que apodreça.
É uma atitude derivada da desesperança. E a desesperança destrói governos mais do que qualquer outra força.
A tempestade de Trump pode desencadear uma onda de protecionismo (creio que vai), que vai desencadear um empobrecimento geral no mundo, que vai gerar uma atitude de descontentamento geral que pode desaguar (creio que vai) num Bai Lan mundial.
E de Bai Lan, o Brasil entende…
P.S. a Imagem deste artigo foi gerada por Flux, a partir de uma query minha chamada “Bai Lan – apodrecimento”, via Adapta.org. Achei o máximo…