Talvez…

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Roberto Montechiari Werneck

Quando vejo o hábito policial de pisar no pescoço de negros, mulheres e minorias, lembro da fala de George Orwell no livro 1984: “Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre”. Ao ver estas imagens fico me questionando sobre as engrenagens de um sistema que se vale excessivamente da punição, de estímulos aversivos, para conter os comportamentos das pessoas, para ensinar hábitos edificantes, para fazer um mundo melhor.

Particularmente, não consigo crer que uma sociedade sadia possa surgir de relações opressivas e desumanizantes. Sim, vejo que os males sociais que hoje enfrentamos são exatamente fruto de escolhas passadas que usaram o chicote, a cela, a forca e a força no intuito de construir um mundo mais civilizado. As escolhas continuam as mesmas e os resultados, possivelmente, serão ainda piores que os que hoje assistimos e/ou sofremos.

Uma bota pressionando um pescoço, um rosto humano, é a declaração de um poder altivo diante daquilo que é considerado desumano, inferior, descartável. Sim, vemos todos os dias a declaração de que existem castas em nossa sociedade. Há aqueles que humilham e os humilhados; há aqueles que tudo podem e aqueles que nada conseguem; há aqueles que possuem tudo e os que pouco ou nada tem. Normalizamos essa diferença, nos insensibilizamos diante da morte, diante de milhares de mortes; nos acostumamos aos jovens que são dilacerados por vícios, de velhos que vivem na vergonha do descaso, de crianças que são apenas substituíveis, de mulheres que são objetos de uso, de trabalhadores que sofrem o abuso do capital.

Talvez seja tempo de entendermos que a agressão, a guerra, o ressentimento e coisas do gênero nunca produzirão admiração necessária para mudar hábitos nocivos. São comportamentos que normalmente reproduzem a si mesmos. Precisamos entender que o bem que desejamos em sociedade se faz por mudança de hábitos nas relações com o nosso próximo. É isso fica claro quando admiramos a ação policial respeitosa e humana, quando encontramos políticos que mantém a ética e o compromisso com a justiça social, quando encontramos pais comprometidos e filhos respeitosos.

O bem só se torna impraticável em nossos dias, porque receamos ser tachados de bobos ou inocentes ao tratarmos o agressor com a outra face, ao lidarmos com paciência com os destemperados, ao perdoarmos o mal que foi praticado contra nós. Mas tenha certeza de uma coisa, essa bota não ficará eternamente pisando o rosto de um ser humano.

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