Antigamente, sempre que alguém ouvia algo que não lhe agradava (no Rio, pelo menos) tinha uma frase padrão para responder: “meu ouvido não é penico”… que sintetizava o que achava o ouvinte sobre os comentários que lhe adentravam o pavilhão auricular…
Pois bem, creio que estamos ficando acostumados a sermos latrinas auditivas de nossas autoridades, de todos os matizes. O rigor das opiniões não mais existe, e o que se disse ontem é cada vez menos levado em consideração. O sujeito não apenas muda de opinião como fica zangado se lhe pregamos na cara o que havia dito antes. Afinal, seu deputado federal presidente da câmara, por que raios você agora acha que pode ter um outro mandato, contra o regimento da casa que você comanda? Quem te deu o direito?
Outros falam pelos cotovelos coisas que sequer acho que pesaram antes. A fala do ministro do STF, que candidamente e solenemente abalroou a própria Carta Magna, que ele mesmo deveria ser guardião, dizendo que, na prática, “todo poder emana do Supremo“, e não do povo, e será usado contra esse mesmo povo. Que vergonha, que papelão. Antes não tínhamos memória, como povo: o que ocorria há 4, 5 anos, já estava sepultado e não tinha mais quem recordasse. Agora, bastam 2 semanas.
As pessoas sabem de tudo, ou ouviram de tudo um pouquinho, mas não se dão ao trabalho de examinar nada. O ritmo de recebimento e registro da informação é tão alto que a pessoa não medita mais sobre nada (aliás, eu, leitor da Bíblia, sinto isso no meu dia a dia – o que antes era motivo de 1, 2 horas de leitura de uns poucos versículos e muito tempo de meditação, virou 5, 10 minutos de um vapt-vupt que não deixa rastros na memória. Que vergonha…)
O povo já não tem relevância porque o povo está incapacitado para lembrar. Os políticos sabem que podem falar, e depois “desfalar”, porque sabem que, no fundo, é mais fácil hoje do que em qualquer outro momento da história humana se desdizer impunemente.
O povo não tem mais relevância porque não pega em armas, porque essas lhe foram tiradas? Quem poderia advogar a revolta popular, e a morte por uma guerra civil? Ninguém quer isso, claro. Mas na raiz de toda guerra civil existe, pelo menos, uma forte de lembrança do que está levando o povo a lutar.
Em tempos de Covid, com todo mundo em casa, eu mesmo tenho me dado ao trabalho de ler mais e tentar refletir mais sobre as coisas, aprofundando o que sei, e completando o que não sei com o conhecimento alheio. Checando fontes, perguntando a quem já viu ou já viveu, eu vou daqui dando meus pitacos sobre os temas que, como já disse, me interessam. Não trato de nada para agradar audiência, e nem sei se tenho audiência, mas não me importa. É um registro, pros meus amados (filhos, amigos) do que pensei e penso.
Assim, penso que o povo não tem mais relevância nenhuma mesmo. Vamos votar daqui há pouco, e novamente, por falta de capacidade de reflexão, vamos eleger um monte de ficha suja, de bandido, de gente que atenta contra a moral e a ética. Cristãos provavelmente vão eleger políticos de partidos que têm o fim da família como parte do compromisso formal, que creem que religião é “ópio do povo”.
Perderemos totalmente a relevância, por fim, quando sequer formos consultados, em urnas ou fora delas. Aliás, como quer o tal super-ministro, guardião da constituição cidadã de 1988, o povo é um tirano de seus governantes, e isso não tem o menor cabimento… quem manda é a burocracia!