A Lógica da Desagregação

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Adão e Eva, segundo o relato bíblico, “ouviam de Deus na viração do dia”. Cam, filho de Noé, viu o dilúvio que Deus mandou e viveu dentro de uma arca por um ano. Moisés recebeu as famosas tábuas da Lei da mão do próprio Deus. Davi viu o que Deus havia feito em seu favor, ao lhe colocar por rei sobre Israel. Pedro viu Jesus fazer coisas maravilhosas. Judas Iscariotes passou três anos vendo Jesus multiplicar pães, curar leprosos, levantar mortos. A lista de coisas grandiosas que as pessoas veem outros fazerem é grande. E olha que só mencionei a Bíblia.

O que esses episódios têm em comum? O que me leva a coletá-los num único parágrafo? O que essas situações, separadas e juntas, nos ensinam?

Viremos a página para os dias atuais e vamos para a empresa, principalmente a empresa com valores, empresa com objetivos não puramente empresariais, mas sociais e espirituais (elas existem, estão entre nós e fazem a diferença – para o bem e também para o mal).

O que faz uma empresa o que ela é? O que faz uma empresa perder sua essência, ou seja, o que faz dela o que é? Será algo propositalmente feito? Uma pedra colocada no seu caminho? Um ato de sabotagem?

O que normalmente faz uma empresa perder o viço, seu propósito, seus valores, o foco na sua meta, é simplesmente o tempo e seus efeitos deletérios sobre a mente humana – individual e coletivamente. Uma casa está limpinha, muito bem arrumada. Deixe-a por 2 anos sem que ninguém a toque, e o resultado é o caos. Você lavou e trocou óleo do seu carro, deixou limpinho e brilhando. Colocou numa garagem coberta. Deixe lá, abrigado, por 2 anos e veja o resultado.

O caos se instala em qualquer lugar, mesmo que tenhamos visto a limpeza feita, o reparo, a lataria polida… Adão e Eva, com quem Deus “falava na viração do dia”, com um simples empurrão da serpente, sem forçá-los, entraram numa desgraceira que nos atinge até hoje. Cam viu seu pai dançar nu, com a cara cheia de vinho, e foi dar risada, desonrando o velho. Moisés, mesmo sabendo do poder de Deus, ficou brabinho e deu uma cacetada na pedra com quem tinha sido instruído somente a falar. Davi, tendo visto Deus agir, não se conteve e foi cobiçar a mulher alheia. Pedro, mesmo sabendo quem Jesus era, negou o Mestre o quanto pode. Judas, ah, esse aí então, esqueceu tudo o que viu e ouviu por três anos e entregou Jesus por um punhado (há controvérsias) de prata…

O que tudo isso tem em comum? Não importa o quanto tenhamos visto de bom ter sido feito a nós (esqueça Deus por um momento e lembre-se de uma pessoa que tenha sido preponderante na sua vida empresarial ou pessoal). Tendemos a deixar a poeira do tempo e a ferrugem da vida entrar na nossa cabeça, e transformar em lixo toda beleza que acumulamos ao longo da vida.

Empresa, assim como a pessoa, tem que ter propósito, missão, razão de existir. Empresa que nasce com um propósito não tem garantida sua manutenção para sempre. É preciso que nós, liderança, tanto na vida pessoal como profissional, sejamos diligentes em manter aceso o ideal que nos motivou – se é que esse ideal vale (ou valia) a pena. Se o ideal era ruim, mude-o. Se a premissa era podre, jogue-a fora e assuma novas.

Aqui falo especificamente para quem quer usar sua empresa e sua vida para o propósito maior de fazer o bem, físico e espiritual, a quem quer que seja. Além do natural combate do “lado negro da força”, que sempre tende a nos impelir ladeira abaixo, temos que cuidar com nossa natureza ruim, inerentemente pecaminosa, e que ninguém vai cuidar por nós.

Que como Moisés voltemos a enxergar o fato de que, mesmo não entrando na terra prometida, tenhamos visto-a de longe, e nos alegremos com isso.

Que como Davi, mesmo tendo errado feio, aceitemos a repreensão do profeta, mesmo que feio e barbudo, vestido de pele de camelo, e nos arrependamos do mal feito.

Que como Pedro, choremos amargamente, mas não fiquemos no choro e partamos para a ação, mudando nossa mente para sempre.

Que não sejamos Adões e Evas, Cams e Iscariotes, que se “jogaram nas cordas”…

A empresa só mantêm o foco se seus líderes mantiverem. A vida só se mantém ordenada se fazemos de nossa mente um local de limpeza constante, num enorme 5S espiritual que só termina com a morte.

* Este artigo foi publicado originalmente no site do Movimento Elo – www.movimentoelo.org.br

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